27 de dezembro de 2006

Debate hipotético (actualizado)

E porque por aqui também se gosta do faz de conta, Luna Maria, ao seu dispor, encarna a personalidade irritantemente perguntadora de Sócrates e debate a IVG com um(a) típico/(a) apoiante da plataforma do Não.
Luna a fazer de Sócrates (LFS): Diz então que defende o não?
Apoiante da plataforma do Não (APN): Exactamente.
LFS: Porquê?
APN: Porque sou a favor da vida.
LFS: Defende portanto que se trata de um ser humano desde o momento da concepção?
APN: Sim.
LFS: Com os mesmos direitos de uma pessoa?
APN: Sim.
LFS: Então uma mulher que faça um aborto estará a cometer um homicídio?
APN: ... hmm... de certa forma, sim...
LFS: Deverá então a mulher que praticou o aborto ser julgada e condenada na mesma medida que um homicida?
APN: er... bem, não sei, não pedimos tanto...
LFS: Sim ou Não?
APN: Não.
LFS: E não deve ir para a cadeia?
APN: Não.
LFS: Nem ser penalizada por isso?
APN: ...
LFS: Se a mulher não deve ser penalizada então o aborto passa a ser legal?
APN: Não.
LFS: Então o aborto deverá continuar ilegal mas sem aplicação de uma penalização legal?
APN: ...
LFS: Considera então que é possível impedir uma mulher de abortar sem qualquer consequência punitiva?
APN: ...
LFS: Sem consequências nem a ameaça da cadeia o que resta como impedimento à prática do aborto?
APN: ...
LFS: Ou seja, nada?
APN: Há sim, a nossa consciência de que não se deve matar um ser humano.
LFS: Acha que a consciência basta?
APN: Deveria bastar.
LFS: Se basta, para quê existirem leis punitivas de modo a dissuadir esse tipo de comportamentos?
APN: ...
LFS: Será porque não é suficiente?
APN: Deveria ser.
LFS: Isso quer dizer que seria incapaz de fazer um aborto?
APN: Nunca na vida!
LFS: Porquê?
APN: Já lhe disse, porque em consciência creio tratar-se de uma vida humana.
LFS: Apenas pelo que lhe diz a sua consciência?
APN: Sim.
LFS: Isto trata-se então de uma batalha moral entre consciências?
APN: De certa forma.
LFS: Desta forma a vitória do Não significa uma vitória de consciências?
APN: Sim.
LFS: E existem pessoas com uma consciência diferente?
APN: Sim, existem.
LFS: Pessoas que discordam da vossa posição?
APN: Sim.
LFS: Pensa que o facto de ganhar uma maioria de consciências será o suficiente para mudar as consciências de quem pensa de forma diferente?
APN: Talvez...
LFS: E o que levará pessoas que não concordam com a vossa posição sujeitar-se a ela?
APN: A vitória de não.
LFS: Mas se a vitória do Não é uma vitória apenas moral sem consequência legal, parece-lhe suficiente para que os derrotados mudem a sua forma de pensar?
APN: ...
LFS: Sem repressão haverá alguma alteração à situação actual?
APN: Possivelmente não.
LFS: Acredita que alguém que quer abortar deixará de o fazer apenas porque na sua opinião não o deve fazer?
APN: ...
LFS: Portanto continuarão a praticar-se milhares de abortos clandestinos?
APN: Sim, creio que sim.
LFS: Desta forma qual o benefício de não o fazerem legalmente?
APN: Pelo menos não o fazem com o aval do estado e com o dinheiro dos meus impostos.
LFS: Ou seja, a punição por não partilhar da vossa posição é ter de recorrer ao aborto clandestino sem condições?
APN: ...
LFS: Sabe que 1 em cada 3 mulheres que se sujeitam a abortos clandestinos acabam por necessitar de assistência médica nos hospitais públicos?
APN: Sim.
LFS: Acha bem que o seu dinheiro sirva para tratar das consequências de um aborto mal feito?
APN: ...
LFS: Sabe que os custos associados às complicações derivadas de abortos clandestinos são maiores do que os associados à IVG?
APN: ...
LFS: Portanto o dinheiro dos impostos deve ser aplicado no tratamento de infecções decorrentes de abortos mal feitos mas não na prática do aborto em condições médicas adequadas?
APN: O que não tem remédio, remediado está.
LFS: Portanto a solução passa por fechar os olhos à causa e tratar apenas das consequências?
APN: Sim.
LFS: Mesmo quando essas consequências poderiam ser evitadas?
APN: É um elemento dissuasor.
LFS: Prefere que a mulher se sujeite a morrer?
APN: É o preço de ir contra a lei.
LFS: Mas a causa desta campanha toda não é a valorização da vida?
APN: Sim.
LFS: Mas existem mulheres a morrer?
APN: Sim.
LFS: A esvairem-se em sangue?
APN: Sim.
LFS: Com úteros perfurados?
APN: Sim.
LFS: Não lhe parece incoerente defender a vida e permitir que isto aconteça?
APN: Mas se elas não fizessem abortos não se arriscavam a perder a vida.
LFS: Mas fazem?
APN: Sim.
LFS: Mesmo correndo esses riscos todos?
APN: Sim.
LFS: Para arriscarem assim a sua vida, diria que estão realmente decididas a fazê-lo?
APN: Eu diria que estão confusas, e nós estamos cá para as orientar.
LFS: E se elas não quiserem ser orientadas?
APN: ...
LFS: E se elas contra tudo e todos quiserem abortar?
APN: Aí lavamos as nossas mãos.
LFS. Obrigada, estou esclarecida.

10 comentários:

  1. Fazer um trabalho que apenas tem sido levado a cabo por meia dúzia de "Messieurs Mathieus"? (era esse o nome do gajo, não era?)

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  2. Estás a fazer-me pensar num assunto que eu já tinha resolvido não ser da minha área de decisão. Até já tinha decidido ficar indeciso, visto que não posso ficar grávido. Mas a minha perspectiva estava errada... ninguém se pode alhear deste assunto. Vou deixar a minha solução mais cómoda de não pensar no assunto (votava branco e quem quisesse que decidisse) e começar a desenferrujar a balança de pesar argumentos. Não os dos powerpoints, claro.
    Aguardo desenvolvimentos, no blog e nos comentários!

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  3. A actualização deste debate hipotético fez com que as ideias ficassem mais refinadas e consequentemente mais reais e acutilantes. Se o anterior comentei como sendo fantástico, este considero descaradamente verdadeiro.

    Izz deixe-me dizer-lhe que o facto de ser homem isso não o coloca numa prateleira de conformismo porque os outros deciderão por si. Estes assuntos por mais que lhe pareçam distantes, porque não engravida, deve pensar sobre eles como elemento integrante de uma sociedade.
    O debate deste tipo de assuntos é importante e é-o quer para a mulher quer para o homem e se começarmos a descurar a importância dos mesmo...então as decisões e quereres continuarão a precisar de muletas.

    Izz, não veja este comentário como sendo uma veleidade da minha parte em achar que sendo homem e ter dito o que disse que o considero menos por isso. De modo algum. É só a minha forma de dizer-lhe: continue a pensar sobre isto e transforme esse seu pensar em acção no dia do referendo, assinalando aquilo que acha o mais certo. O "Nim" nestes assuntos não existe.

    Luna, tenho consciência que o meu comentário vai longo, mas deixe-me acrescentar mais algumas coisitas.

    As pessoas são todas diferentes na forma de decidir, sentir e todas aquelas coisas... e por tudo isto o consenso neste tipo de assunto como IVG acaba por representar isso mesmo, com a agravante de existirem pessoas que se acham mandatários dos quereres e vontades alheias...e aqui o seu debate hipotético demonstrou isso mesmo.

    Há 12 anos fiz um aborto e quando se toma essa dicisão nunca a tomamos de animo leve. A cabeça anda a cem à hora.Os nossos valores....as emoções...afectos....quereres e toda uma panóplia de situações e sensações...ficam viradas do avesso e sentimo-nos no limbo.
    A consciência é uma coisa tramada.

    Tinha 28 anos quando o fiz e passado estes anos sei e sinto que foi a decisão mais acertada e....Izz....o meu companheiro na altura foi de uma importância vital em todo esse desassossego porque pura e simplesmente houve uma fusão de sentimentos e quereres.

    Não tenho que me preocupar com a consciência alheia! A minha já me dá trabalho pelas barbas.

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  4. Muita parra e pouca uva. Cada um pode ter a sua opinião devidamente fundamentada ou não. Agora, quando tentam impor os seus argumentos aos outros, ainda por cima quando são argumentos vazios... É de bradar aos céus, literalmente. Ainda há pouco tempo vinha no comboio e ouvi duas senhoras a comentarem a questão do aborto, defensoras do 'não' e ambas de uma federação da qual não me recordo o nome. Até aqui tudo bem, agora o que me chocou foi isto:
    '...Estou com um problema, então não é que não consigo descobrir o contacto da concorrência...' Concorrência!!!!!!!!!! A 'concorrência' a que a dita senhora se referia é uma organização defensora do 'sim'. Concorrência?!?!?! Mas o que é isto? Andamos a ver quem vende mais jornais é?!
    Depois disto, perdi todo e qualquer respeito pelos ditos defensores do 'não'. Já não há pachorra!!!!!

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  5. onda: acredite que não tomo o seu comentário como uma veleidade... eu frisei que aguardava desenvolvimentos ;)Posso dizer-lhe que já sabia que a minha posição de deixar que outros decidissem não era a mais correcta. A verdade é que tinha uma perspectiva um pouco redutora do problema, e aqui a Luna veio dar-me um novo ponto de vista, através do qual eu posso analisar a questão de uma forma mais objectiva. Resumindo e concluindo... acabou a indiferença e até Fevereiro decido onde deixo a cruz.

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