10 de junho de 2008

Da imbecilidade ou porque não gosto de futebol

A minha aversão à bola, que se perde nos confins da minha curta existência, não podendo eu situar no tempo o ponto exacto onde começou, deve-se não tanto ao jogo em si mas a todo o fanatismo e imbecilidade que acarreta.
Um jogo é um jogo, e fosse o futebol considerado o que apenas é - um jogo - possivelmente até apreciaria assistir a uma partida ou outra, ocasionalmente, como já fiz durante o Euro, apenas pelo prazer de ver uma disputa saudável onde ganham os que mais se empenharam e mais contribuíram para um bom espectáculo desportivo.
Sucede que, infelizmente, o que se passa em torno de um jogo de futebol não tem nada a ver com desporto e tudo se resume a uma mera competição clubística e extensão da masculinidade, onde o argumento mais elaborado se resume a um "o meu clube é melhor que o teu", se bem espremido, e a devoção incondicional a um clube tolda os espíritos dos adeptos, desprovendo-os de sentido crítico e tornando-os em perfeitos idiotas no que a este assunto toca.
Assim, aquilo que me maça no futebol, e que não consigo perceber, por mais que tente, é o clubismo. Aquilo que leva a que pessoas aparentemente normais se comportem como atrasados mentais durante os jogos, a que se zanguem com amigos, agridam pessoas ou mesmo matem; aquilo que leva a discussões acaloradas revestidas de agressividade e dominadas pela irracionalidade, e a picardias desnecessárias entre adeptos de diferentes equipas; aquilo que leva a que se fique esfusiante de alegria ou pesaroso e sorumbático consoante o resultado de uma insignificante disputa: a adoração incondicional e cega a uma instituição.
Neste momento estarão os meus caros leitores protestando entre dentes contra os argumentos aqui apresentados, replicando que as razões que os levam a ser de um clube nada têm de irracionais. Vejamos então se me sabem responder porque são de um determinado clube. Porquê? Eu respondo: porque alguém, quando eram pequenos, vos disse para o serem. Tão simples quanto isto. Até eu, por exemplo, tenho resquícios de afeição pelo Sporting porque umas miúdas grandes no colégio uma vez me disseram para eu ser do Sporting e eu não me atrevi a dizer que não porque elas eram bem maiores que eu e aquilo ficou-me na cabeça até hoje. Fraca razão, não vos parece?
Mas não estando ainda completamente convencidos, façamos um pequeno exercício de abstracção. Imaginemos dois clubes rivais, o Benfica e o Futebol Clube do Porto, por exemplo. Imaginemos que por qualquer razão o Pinto da Costa vinha presidir o Benfica e com ele trazia todos os jogadores e técnicos do Porto, enquanto que o presidente do Benfica se mudava para o Porto com toda a sua equipa. Ou seja, trocavam de clube. Podemos ainda ir mais longe e imaginar que trocavam até de estádio. De que clube seriam? A grande maioria continuaria fiel à instituição, mesmo tendo mudado todas as pessoas a ela ligadas e até os objectos materiais. Ou seja, continuaria a adorar essa entidade abstracta que é um clube, uma cor, e que se resume a um nome gravado no inconsciente desde a infância. O que, diga-se de passagem, não apela lá muito à inteligência e discernimento.
Posto isto, custa-me ainda conceber que, num país cheio de problemas sociais e humanos como o nosso, num mundo onde todos os dias morrem milhares de pessoas à fome, o que mova as pessoas e a matéria mais importante na abertura de um telejornal seja uma estúpida partida de futebol, e se quem ganha são os verdes, os encarnados ou os azuis. O que é que isso contribui para a humanidade e sua evolução? Em nada. Não se lhe dará então demasiada importância?
Além disso, já toda a gente sabe que eu tenho a mania que sou esperta e, como tal, até gosto de ter conversas interessantes e inteligentes, bem como discutir assuntos relevantes, o que não me é de todo possível em Portugal em dias de bola, pois torna-se o único tema discutido e não se consegue falar de mais nada, o que é muito aborrecido para quem se está positivamente cagando para tal.
Ainda para mais, tratando-se de futebol e tendo em conta o que foi dito anteriormente, mesmo quando mascarado de conhecimentos teóricos e de críticas técnicas rigorosas sob um ponto de vista neutro, já se sabe que o discurso será sempre marcadamente parcial e tombará inevitavelmente para o mesmo lado, favorecendo em última análise o clube do qual se veste a camisola, o que se torna extremamente enfadonho e pouco estimulante para o intelecto. Uma grande seca, portanto.
No fundo é como discutir o Santo Padroeiro, se é melhor a Nossa Senhora da Conceição ou a Santa Rita de Cássia, ou se se gosta mais de azul ou de amarelo. Os porquês perdem-se nos meandros do nosso inconsciente e emotividade, e não vale a pena tentar descortinar as suas razões, adornando-as de componentes lógicas que não existem. Sendo eu uma moça racional, cujo posicionamento filosófico se situa algures dentro da corrente do positivismo - não sendo filosofia o meu forte, creio poder dizer que o positivismo é a corrente que defende a racionalidade e o espírito científico, repudiando o metafísico e sobrenatural, e encarando a vida num sentido prático – custa-me bastante entender as devoções absolutas e inquestionáveis a entidades abstractas.
E não crendo eu em Deus, muito menos irei oferecer a minha devoção a um clube.


Originalmente publicada no Bitaites, a 6 de Abril de 2006

8 comentários:

  1. Tás lá gaja, tás lá!

    Um gajo "do benfica"
    :-)

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  2. Estás atrasada, o que anda a dar é o europeu.

    Com a quantidade de merda que nos andam a meter pela goela por causa da selecção, desde o que o cristiano ronaldo toma ao pequeno almoço até aos peidos que o scolari dá à noite na solidão da sua caminha de neuchâtel, e após tamanho "brainwash" começo a achar que se a selecção ganhar o euro, a crise acaba, a gasolina baixa substancialmente de preço e haverá paz mundial.

    No fundo é só o sentimento de pertença mais parvo a que eu já assisti. Unidos pela vontade "colectiva" de sermos reconhecidos lá fora, sendo mais que uma provincia espanhola.

    Eu sei que não estavas a falar do euro, mas apeteceu-me aliviar a tensão.

    Um bem haja.

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  3. A cronica foi escrita ha dois anos, no entanto, exactamente por ser altura do Euro e histeria nacional, tomando proporcoes claramente exageradas, achei que era um momento pertinente para a relembrar.
    A autoestima da nacao nos pes dos jogadores.

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  4. Vénia X 10.

    Totalmente de acordo.

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  5. Nice try, no bonus!

    O futebol é a mais bela das artes. O próprio desporto em geral é das mais nobres e fascinantes formas de superação humana.

    Nunca poderás compreender o clubismo com um "approach" racional. O clubismo é uma experiência emotiva, religiosa, o que não significa necessariamente que seja uma coisa má.

    O futebol, tal como o amor, não é para se estar a teorizar, é para se sentir.

    O futebol, tal como o amor "leva a que pessoas aparentemente normais se comportem como atrasados mentais (...) a que se zanguem com amigos, agridam pessoas ou mesmo matem"

    Ervi

    PS (humorístico): Vê-se logo que és do Sporting! :D

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  6. ....e assino por baixo.

    Tanta energia gasta à volta deste jogo, nunca hei-de entender.

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  7. Só que a diferença entre Deus e um clube, é que o clube (para o bem ou para o mal) sabemos que existe ;)

    Estou com o ervi mendel.

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