26 de junho de 2008

Liberdade e a falta dela



Infelizmente, e embora no geral concorde com quase tudo o que é dito no texto, a questão não é assim tão linear. Algumas mulheres, por mais que isso nos custe crer, andam de véu porque querem, e porque assim o escolheram de livre e espontânea vontade.
Há uns dias, conheci umas amigas indianas de uma colega de trabalho. Uma usava véu, outra não. Ao ser-lhes apresentada, diz-me a minha colega que são irmãs. "Irmãs? Então porque carga de água é que uma usa véu e outra não?" A pergunta ficou-me a martelar na cabeça o resto do dia, e só na manha seguinte, não aguentando mais, perguntei à minha amiga porquê. "Ela usa o véu porque quer", foi a resposta. "A família é muçulmana, mas bastante liberal, tanto que nem a mãe nem a irmã usam véu e nunca foi educada nesse sentido, mas ela escolheu assim."
Aquilo caiu-me que nem bomba, e devo ter passado a meia hora seguinte a barafustar, irritada por serem tantas vezes as mulheres que mais contribuem para a continuação da repressão e do direito à autodeterminação e igualdade. "Então o raio da miúda, sem receber quaisquer indicações ou pressão nesse sentido, vai-me escolher usar o símbolo da submissão? Se calhar acha a mãe e a irmã umas grandes putas, que deviam era levar umas chibatadas para aprender!"
Uma mulher, ao escolher voluntariamente usar o véu, numa família que não o faz e num país ocidental, está a dizer que concorda com a tradição, com o que está estabelecido, com a castração da sua liberdade individual e direitos fundamentais e que deve conformar-se na sua condição inferior e subalterna relativamente ao homem. Isto para mim é absolutamente incompreensível. O que levará uma mulher a conscientemente fazer tal escolha, é uma pergunta à qual jamais conseguirei responder. Tal como os eleitores que elegem democraticamente um ditador. Mas é também uma liberdade, a de escolha. E até que ponto será legitimo lutar contra isso, usando a liberdade contra a liberdade?

10 comentários:

  1. E porque não lhe perguntas porque é que ela o usa?
    Beijos

    ResponderEliminar
  2. ...condicao inferior e subalterna relativamente ao homem...

    Porquê? Ficar em casa, cuidar dos filhos e deixar que o homem forneça o sustento é mostra de inferioridade?... Não entendo. É uma questão de opção, como também disseste.
    Quando dizes que não compreendes porque ela o faz, estás implicitamente a reprimi-la e a negar-lhe a autodeterminação.

    Ela escolheu, os restantes só têm que aceitar. É isso a liberdade e igualdade.
    Se alguém toma exemplo dela ou se aproveita dela... bem, isso não pode condicionar a sua escolha. Ou pode?

    Boa sorte com os pássaros! Espero que não precises de usar capacete para sair à rua! ;-)

    ResponderEliminar
  3. Pois, não se pode, tem que se respeitar a sua opção. Caso contrário, estaremos a ter uma atitude totalitária/paternalista, que infelizmente é muito comum na esquerda e algum feminismo, tipo "olha, filha, que eu sei o que é melhor para ti, não uses o véu que nos degradas a todas".ESta postura é tão censurável como a da simples aceitação, com a justificação do relativismo cultural (a excisão é uma ofensa corporal não consentida, pelo que não pode ser justificada de forma alguma).

    Se aceitamos a liberdade de escolha, temos que aceitar que os outros façam escolhas que nos desagradam, ou são contrárias à nossa visão do mundo.

    Mas ser livre é também não aceitar que os/as adeptos/as do véu nos imponham a sua ideologia.E eles/as bem gostariam!

    ResponderEliminar
  4. Luna, o mais certo será que para esta rapariga o véu tenha significados muito diferentes dos que tem para ti. É aqui que a compreensão da diferença cultural (e das diferentes situações culturais de cada pessoa) entra. Se não, estamos só a querer enfiar a realidade, e as pessoas que lá vivem, nas nossas categorias mentais. É preguiçoso e, no limite, perigoso.

    ResponderEliminar
  5. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  6. Concordo com o fuckitall. Temos de ter a flexibilidade mental para sabermos que o mundo pode ser visto de diversas formas. A nossa luta deve ser sempre pela liberdade de escolha. É evidente que ao lutarmos por isso estaremos a condenar não o uso do véu, mas as sociedades que o impõem.

    ResponderEliminar
  7. O véu é muitas vezes uma afirmação da religião e, de certa forma, da cultura, nem sempre é uma imposição de outrem. Nessa medida consigo compreender que alguém o queira usar.

    ResponderEliminar
  8. Acho que resumiste tudo muito bem, se me permites:

    " E ate que ponto sera legitimo lutar contra isso, usando a liberdade contra a liberdade?"

    Agora, acredito que a "condição inferior" é um conceito algo subjectivo, que cabe nos parâmetros de cada um:

    Na mesma situação, diferentes pessoas sentem de diferente maneira: entre homens e mulheres, entre ricos e pobres, entre felizes e infelizes?!

    ResponderEliminar
  9. uma dia tive uma discussão acesa ácerca disso. Uma amiga minha bastante pró-activa na luta pelos direitos da mulher não concebia que havia pessoas diferentes dela, evidentemente, que escolhiam usar o véu e concordavam com a tradição.

    quase que me bateu nesse dia.

    é como as bruxas. que las hay las hay.

    ResponderEliminar
  10. A questão não está nas mulheres que escolhem livremente usar o véu. A questão está no número de mulheres que não teve a oportunidade de escolher livremente não o usar. É aí que me parece estar a diferença fundamental.

    ResponderEliminar