5 de agosto de 2009

De comentários a post: ainda o sangue

"Dar sangue não é um direito. O que é um direito e de todos é o de receber sangue com a menor probabilidade possível de conter riscos infecciosos. Cabe aos organismos de saúde pública a responsabilidade de garantirem, tanto quanto os conhecimentos científicos o permitam, que quem o recebe está salvaguardado de doenças futuras, directamente relacionadas com a transfusão. Para isto existem critérios científicos que não se devem misturar com activismo político."

Concordo plenamente. São, de facto, os doentes, quem tem o direito a receber sangue o mais seguro possível, e dar sangue não é um direito per se. Mas há que lembrar que excluir indiscriminadamente homossexuais só por o serem, sem querer saber da sua história sexual recente, é também restringir o acesso a um bem escasso por parte dos doentes que se pretende defender.

Não consultei os dados estatísticos, nem sou epidemiologista, pelo que não saberia sequer analisá-los convenientemente. De qualquer forma, e como já disse anteriormente, não me parece que seja a orientação sexual só por si, mas os comportamentos, que inserem a pessoa em determinado grupo de risco. Estatísticas são baseadas em médias, em distribuições, e há sempre quem esteja nos extremos. Obviamente, é bem mais fácil fazer uma triagem rudimentar a partir de dados estatísticos, mas sendo o sangue um bem valioso, poderão estar-se a perder dadores inutilmente, e já que um questionário sobre comportamentos tem de ser feito de qualquer forma, porque não avaliá-los caso a caso, e inseri-los nos grupos depois?

O que está em causa nesta polémica, não é que se excluam homossexuais que tiveram comportamentos de risco – principalmente relações sexuais desprotegidas – nos últimos 6 meses a 1 ano, da mesma forma que se excluiriam heterossexuais, mas que se excluam também os que não os tiveram, baseando-se meramente na sua orientação sexual em vez de na sua conduta.

Alguém que não teve de todo relações sexuais durante 6 meses a um ano - é raro, mas pode acontecer -, ou que as tenha tido somente usando preservativo, incluindo sexo oral, sendo ou não homossexual, apresentará menos probabilidade de ter contraído uma doença sexualmente transmissível que alguém que tenha tido relações sexuais desprotegidas, mesmo que apenas com o seu cônjuge. Porque não é só o comportamento do próprio, mas também o comportamento dos seus parceiros, que contribui para o aumento do risco, e por mais que se tenha um comportamento irrepreensível, é impossível garantir o do outro, não se podendo jurar pelo que se desconhece.

O que acontece, se não estou enganada, é que tem de existir uma avaliação de risco relativamente a dadores que, embora mantendo relações sexuais desprotegidas, se encontram numa relação monogâmica e duradoura, como o casamento. É nestes casos em que têm de entrar as estatísticas e avaliaçoes de risco, pois recusar estes dadores - que imagino serem a maioria - seria pôr em causa a subsistência de reservas no banco de sangue. É nestes casos que concedo que o tratamento estatístico tenha maior importância, e que a inserção em grupos de risco maior peso, e maior pertinência.

Mas lá está, nada é infalível, e basta saber um pouco de estatística, para saber que há margens de erro, por vezes não tão pequenas assim. Infelizmente, tenho amigos seropositivos. Heterossexuais, infectados através de relações sexuais com membros do sexo oposto, com quem mantinham relações estáveis e duradouras, e que se não se tivessem descoberto infectados, quase por acaso, seriam aceites como dadores sem qualquer problema, por se encontrarem numa relação monogâmica há mais de dois anos. E por mais que a probabilidade seja mínima, dado o grupo em que se insere determinado dador, um doente infectado com HIV através de uma transfusão sanguínea não fica mais contente por saber que foi um num milhão.

"O leitor lembra-se com quem dormiu em 1999? E em 2002? E naquela tarde em que acordou de ressaca ao lado de uma beldade desconhecida, tinha feito sexo ou não? E o sexo que possivelmente fez, terá sido desprotegido ou não?

Acha razoável pedir a uma instituição para avaliar comportamentos de criaturas que em grande parte os ignoram? Não será melhor confiar numa categorização estatística, necessariamente falível, ainda que isso faça saracotear as nossas esquerdas giras, cheias de causas, tão alvoroçadas com os direitos (e que direito é este?) das minorias?"

Mais que estatisticamente, os dadores devem primeiramente ser triados através de questionários que possam avaliar os seus comportamentos nos 6 a 12 meses anteriores, sendo-lhes explicado detalhadamente no que consistem comportamentos de risco. Além disso, como se sabe, o período de janela, ou seja, aquele em que é impossível detectar a infecção por HIV – porque a detecção é feita indirectamente, não do vírus em si, mas dos anticorpos que são produzidos contra o mesmo – costumava ser de cerca de 6 meses, sendo hoje em dia muito menor, pelo que alguém que tenha sido infectado em 2002 já teve mais que tempo de desenvolver anticorpos anti-HIV e revelar-se seropositivo quando o seu sangue for testado.

Já se as pessoas ignoram os seus comportamentos, o que denota uma imensa falta de responsabilidadee inconsciência ao oferecerem-se como dadores, obviamente não estão aptas a dar sangue, uma vez que não sabem (literalmente) onde andaram metidas. E se não sabem, ou não se lembram, não se arrisca. Porque quem dá sangue tem de ser responsável e ter consciência das implicações que tem o seu acto, das consequências que a sua negligência pode ter em outrém, e isso passa pela também pela educação e informação do dador.

Para mais, o tipo de discurso veiculado pelo Dr. Olim poderá ter, a meu ver, repercussões indirectas graves e nefastas, e que passam pela possível difusão errónea da ideia de que afinal, mais que comportamentos, existem grupos de risco, pelo que sendo heterossexual se está a salvo, e que no fim de contas as campanhas de apelo ao sexo seguro são exageradas ou até desnecessárias.

Termino reafirmando que sou bastante radical no que concerne a motivos de exclusão, e admito que excluiria sem pensar duas vezes a maior parte dos meus amigos homossexuais. Bem como boa parte dos heterossexuais. Alguns deles que me são bem próximos, e por isso mesmo, porque sei o que a casa gasta. Mas, em ambos os grupos, conheço pessoas responsáveis, que sabem bem o que fazem, e cujo sangue poderá fazer falta e servir a alguém que dele precise. E estas pessoas não merecem ser discriminadas.

5 comentários:

  1. Tudo isto é redutível à premissa que desde há muito norteia a luta contra o HIV/Sida, como se lia ontem numa crónica do Público, não existem grupos de risco, existem, isso sim, comportamentos de risco. A distinção parece-me fácil e guiada apenas pelo bom senso.

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  2. E quem fala assim não é gaga. E o texto tá tão bem escrito que nao tenho mais nada a acrescentar.

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  3. Concordo plenamente!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Olá Luna
    Gostei do teu post e concordo com a tua opinião.
    Tenho lido bastantes posts sobre este assunto, uns com opiniões coerentes outros com opiniões descabidas. Mas depois de tudo isto pergunto-me se a maioria das pessoas que tem opinado já alguma deu sangue.
    Eu sou dadora de sangue desde os meus 18 anos. Hoje com 30 já perdi a conta às vezes que dei sangue e às vezes a que respondi aos questionários que me são feitos. Nunca me perguntaram se sou lésbica. Perguntam-me sim, se no último ano tive relações sexuais com um novo parceiro. Nesse caso entra-se em "quarentena" e não se dá sangue a não ser que o/os dito parceiro lá esteja connosco.
    Ainda não dei sangue depois desta lei sair, mas não acredito que agora perguntem sobre a orientação sexual. Os hábitos sexuais sempre foram, e muito bem, tema de conversa com o médico que nos entrevista.
    E, como diria o House, toda a gente mente, pelo todo o sangue é obviamente, testado para tudo quanto é doença!
    fica bem...

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