Mas se a Bíblia é toda ela simbólica e metafórica, não podendo ser lida no sentido literal, e por isso dada às mais variadas interpretações, não terá Saramago também direito à sua?
(ou a sua é obrigatoriamente errada porque não vai de encontro à que é geral e convenientemente considerada certa pelas maiorias cristãs? afinal foram duas perguntas.)
(ou a sua é obrigatoriamente errada porque não vai de encontro à que é geral e convenientemente considerada certa pelas maiorias cristãs? afinal foram duas perguntas.)
Não achei que ele tivesse dito algo de tremendamente ofensivo. Enquanto proferia aquelas declarações quem não sentiu e pensou o Antigo Testamento e esgravatou na memória os episódios (que tão bem tens trazido para aqui).
ResponderEliminarParece que hoje em dia não podemos contornar uma esquina sem que haja uma polémica a estalar e degladiações de lado a lado. Cada vez mais vontade de viver numa bolha pessoal e não sair dela.
nao percebes que a igreja tem medo de perder fiéis à conta destas afirmações, logo, perder dinheiro???
ResponderEliminarporque razao então não nos é permitido conhecer o evangelho de judas (que demonstra realidades bem diferentes das descritas), ou investigar as ossadas (supostamente da familia de cristo) que jazem no seu tumulo, entre outras coisas? porque com a verdade a igreja perdia dominio. perdia poder. perdia dinheiro.
Ora aqui está uma boa pergunta, que seguramente não se responde em meia dúzia de linhas.
ResponderEliminarA Bíblia, tal como nos chegou, compõe-se de um rol de livros bastante antigos (os mais recentes terão cerca de mil e novecentos anos). Estão escritos em diversos géneros literários, por isso dizer que "é toda ela metafórica" ou "dada às mais variadas interpretações" não ajuda, não chega - pode até desajudar. É preciso ter um bocado (um bocado grande) de disponibilidade para estudar o seu contexto, a geografia, economia, as tribos e indivíduos que a produziram. Ninguém pode ler, por exemplo, um livro dos evangelhos em midrash agádico e achar que está a ler uma reportagem, só porque percebe a língua, porque há uma tradução. Para chegar ao que de universal e atemporal está lá inscrito (aquilo que as gerações seguintes quiseram "tradere", i.e.passar em tradição) é preciso algum esforço. Eu ando nisto há uns vinte anos e ainda dou muito pouco por percebido.
Toda a gente tem direito à sua opinião e a expressá-la livremente. Claro que isso implica que também toda a gente tem o direito a discordar de opiniões expressas por outros e dizê-lo publicamente. Mas incentivar ao ódio ou perseguição por causa de uma opinião é errado. Pura e simplesmente errado. O Salman Rushdie que o diga, coitado.
ResponderEliminarJá agora, deixo aqui uma opinião bem mais cáustica.
"The God of the Old Testament is arguably the most unpleasant character in all fiction: jealous and proud of it; a petty, unjust, unforgiving control-freak; a vindictive, bloodthirsty ethnic cleanser; a misogynistic, homophobic, racist, infanticidal, genocidal, filicidal, pestilential, megalomaniacal, sadomasochistic, capriciously malevolent bully.” – Richard Dawkins, The God Delusion
(sim, há quem ache que ele não é uma personagem de ficção - mas quanto aos traços gerais de personalidade, em cheio, hein?)
Acontece que parte do ataque do Saramago parte do princípio errado de que os crentes lêem o Antigo Testamento de modo literal, sendo por isso ignorantes e iludidos e por aí adiante. Acontece que nesse ponto a ignorância ficou com ele e quando se ataca alguém, convém fazê-lo com argumentos rigorosos e verdadeiros.
ResponderEliminarE será essa assumpção inteiramente falsa? De repente vêm-me à ideia o criacionismo, o mundo com 6 mil anos, a negação da teoria da evolução, etc. É tão difícil abarcar tudo no mesmo saco, como ter a certeza que ficou tudo de fora.
ResponderEliminarLuna, a assumpção torna-se inteiramente falsa porque, por princípio, toma a forma de uma generalização, neste caso impossível. Podem exibir-se imensos exemplos de ignorância, mas a verdade é que a generalidade dos cristãos não nega a dimensão metafórica do Antigo Testamento, não lhe dá um sentido literal, e as suas crenças não têm qualquer incompatibilidade com qualquer princípio científico. Pessoalmente, nunca conheci um cristão que acreditasse na existência história de Adão ou Eva, por exemplo. Há-de haver alguns, com certeza, mas não são as minorias que podem sustentar interpretações grosseiras da realidade, como a de Saramago.
ResponderEliminarA mim tanto me dá, cada um tem direito à sua opinião. Ele não gosta de Deus e eu não gosto dele. Pronto, ficamos assim.
ResponderEliminarSim, mas se concedemos e defendemos o direito à opinião e manifestação de imbecilidades por parte de quem nega a teoria da evolução e que o mundo tenha mais de 6 mil anos, por exemplo, não deveríamos conceder a Saramago o mesmo direito?
ResponderEliminarAlém de que essa distinção entre aquilo que se toma como literal e não, não é linear nem de fácil distinção. Até onde vai?
Se é verdade que hoje em dia a maior parte do Antigo Testamento é considerada metafórica pela maioria, isso deve-se a uma evolução civilizacional, catalisada pela evolução científica, e o que deixou de ser possível negar. Mas por exemplo, ainda se acredita que Maria era virgem, entre outras coisas que não são nada metafóricas.
(Não ouvi/li todas as declarações, nomeadamente essa assumpção de que os cristãos acreditam na literalidade do antigo testamento, e como tal em Adão e Eva, pelo que não posso julgar tudo o que foi dito. Mas do que li, devo confessar que concordo com uma grande parte.)
Para começar, não coloquei em causa o direito de Saramago dizer o que bem entender. Apenas critico que se desencadeie um ataque a algo ou alguém com base em pressupostos errados. É uma questão de rigor e de justiça e não me parece que interfira com a liberdade de expressão de ninguém.
ResponderEliminarDe resto, há uma diferença fundamental entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento: enquanto que no primeiro a generalidade das figuras são simbólicas, no segundo são históricas. Depois, pode-se acreditar ou não na dimensão divina daquelas figuras, mas isso já não me parece que alguma vez se prenda com ignorância. De resto, a maioria dos episódios e discursos relatados no Novo Testamento, e principalmente a sua mensagem, não se colocam em causa e, mesmo contando com más interpretações, condizem pouco com a ideia de crueldade e "maus costumes" evocados por Saramago.
Mas, como disse antes, a maioria das declarações passaram-me ao lado, impressionou-me apenas a nota de ignorância que assinalei antes, quanto à presunção de literalidade pelos cristãos. Pormenor que faz toda a diferença.
Sinceramente, não creio muito na ignorância de Saramago, parece-me mais plausível a provocação propositada. Não pela publicidade, ou interesse no carcanhol, mas por aquele capricho que se tem a partir de certa idade de se dizer aquilo que bem se entender sem se preocupar muito com as susceptibilidades.
ResponderEliminarE, embora concordando com parte do que ele disse, pessoalmente não acho que o devesse ter dito, embora lhe reconheça esse diteito.
E já agora, bem vindo Pedro, acho que foi a primeira vez que "discutimos".
À propósito da literalidade, dizia um cristão criacionista / fundamentalista /whatever no filme do Bill Maher (que, btw, é fraquinho, fraquinho): "se a versão da Bíblia sobre a criação do mundo não é verdade, então o resto também não é verdade".
ResponderEliminarLembrei-me disto ao ler o comentário do Pedro Jordão, que afirma que no antigo testamento as personagens são simbólicas, e no novo históricas. Oi?
Embora pessoalmente não conteste a existência histórica de Jesus (mas há quem o faça, lá terá os seus fundamentos), não vamos entrar por aí, né? O Novo Testamento não é um relato histórico, embora também o contenha. (E tem imensos lapsos, diz quem estuda estas coisas). E porque é que Moisés é menos histórico que Jesus, vamos lá a saber? 'Tá mal. Muito mal. E é melhor não dizer isso a um judeu.
Simbolismo ou não, o antigo testamento trata do mesmo que tantos outros escritos religiosos por esse mundo fora: mito da criação. Depois, lá vem o código de conduta, a legitimação do povo que segue tal código como sendo o povo de deus (o verdadeiro), and so on. O novo testamento é a sequela: não põe em causa o anterior, antes nele se funda para legitimar a nova orientação religiosa - Jesus é o messias cuja vinda Ezequiel (espero não estar a meter água, acho que foi este) profetizou.
Para os judeus apenas interessa o primeiro, mas os cristãos não podem viver sem os dois. E agora, um é assim assim e o outro é que é? Em que ficamos, é tudo verdade ou tudo ficção? Ou simplesmente são códigos morais de conduta, mas muito dificilmente verdade revelada?
E no NT há muitos e bons actos de crueldade. Bertram Russel (Why I'm not a Christian) enumera uns quantos, vindos de Jesus e tudo. Digamos que ele nem sempre levava na desportiva não o crerem.
I, esse "Oi?" parte de uma tresleitura do que eu escrevi. No Antigo Testamento, as figuras são maioritariamente simbólicas e não há qualquer prova histórica da existência de qualquer uma delas. Não que isso diminua as religiões em causa, seja-se ou não crente. Já no Novo Testamento, existem provas históricas da existência das suas principais figuras (o que é diferente de afirmar que os relatos bíblicos são relatos históricos). Claro que há sempre teorias da conspiração para todos os gostos e há quem afirme que o Homem nunca chegou à Lua, etc. Mas é mais do que uma subtileza assinalar a diferença entre os dois Testamentos no que toca ao carácter histórico de inúmeros factos.
ResponderEliminarE sim, Luna, foi a primeira vez, não terá sido a última. Que "discutimos", claro, com as aspas devidas.
ResponderEliminarNão basta dizer que há provas históricas, é preciso indicá-las. Fontes, por favor, e externas à bíblia era melhor. Há algum documento romano que mencione a execução de Jesus? Ou outro? E quanto aos apóstolos, e até a viagem de Pedro (outrora Simão) a Roma? Ou só há documentação que transcreve a tradição oral?
ResponderEliminarA sério, não é provocação, gostava de saber. É um assunto que me interessa.
Já agora, a existância de hebreus no Egipto é facto documentado historicamente, o que não é assim tão certo é que fossem escravos, mas isso são outros quinhentos. Se o faraó do tempo da fuga do Egipto era um Ramsés, só do filme (Os 10 Mandamentos) o sei :D
A mim choca-me o exagero em torno do assunto. Mas afinal há ou não há liberdade de expressão?
ResponderEliminarLuna, cheira-me que vai haver o mesmo circo como quando o Saramago publicou O Evangelho Segundo Jesus Cristo. No que toca à religião, há quem não aceite opiniões contrárias. É uma tristeza.
ResponderEliminarO problema é a Igreja falar em metáforas quando sai para a rua para se "defender" de uma interpretação mais do que válida, coerente e racional, mas dentro das suas quatro paredes querer fazer da Bíblia um livro de instruções para a vida, a seguir à risca e muito criteriosamente. Seria bom haver uma espécie de tsunami cultural na Igreja Católica (e talvez noutras) para arejar ideias, para as "contemporâneizar", para reciclar práticas que em nada correspondem aos princípios que eles gostam muito de defender, por exemplo: a humildade, entre outros.
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