22 de janeiro de 2011

Black swan mais ou menos

O lago dos cisnes será, provavelmente, o bailado mais conhecido de sempre. A música é arrebatadora, daquelas que toda a gente reconhece. Ou pelo menos toda a gente que fez ballet. Tal como reconhece o carrapito (ou totó), que passados mais de dez anos ainda se consegue fazer às escuras em menos de um minuto. Ou o coser das fitas, o riscar das solas para não escorregar, o inútil ligar dos dedos (falta talvez o envolver em papel higiénico para amortecer e absorver o sangue). Sabe quem fez ballet de pontas que a dor é constante, como constante é o sacrifício de esfolar as articulações contra o gesso das sapatilhas completamente rígidas, ficar com os pés em ferida, doer a cada movimento. Não é para todas, não era para mim. Desisti quando, em vez de um prazer, se antecipava uma sessão de tortura a cada lição, que me fazia temê-la. Quando ao fim de cada aula descalçava as sapatilhas para ver pés ensanguentados, que nunca chegavam a sarar de uma aula para a outra, e a que nunca me consegui habituar. É preciso uma paixão e abnegação enormes para se continuar. E para fazer parecer fácil e natural, harmonioso e incrivelmente belo, algo que não vem sem uma dose quase sobre-humana de violência física (e psicológica). E quando se tem essa noção, e se sabe isto tudo, consegue apreciar-se ainda mais a beleza sublime de um bailado. Sem esquecer o que aquela gente tem de passar para chegar lá.

16 comentários:

  1. É mesmo isso que escreves. Mas eu, aos 30 anos, continuo com a minha paixão, que é como oxigénio para a alma. :)

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  2. fiz ballet amador dois anos e meio e percebo bem o que tu dizes. Desisto exactamente pelo mesmo motivo que tu, as aulas já eram mais uma tortura (não por causa das pontas) do que um prazer mas dá muito gosto ver estes bailos e ver o quão as bailarinas são boas e o quanto devem ter trabalhado para lá chegar.

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  3. Cru e belo.
    Brilhante descrição.

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  4. Chiça, da próxima vez que for ao ballet nem me vou conseguir concentrar no espectáculo e vou ficar a pensar no sofrimento das moças. Obrigadinho! :)

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  5. Eu fiz dança de salão durante mais de uma década e, por isso, compreendo o que dizer. O amor à dança faz-nos aguentar e sacrificar muita coisa, não só a nível físico.
    Na dança de salão o sacríficio tem que lá estar - "sangue, suor e lágrimas" - como dizia o meu professor, mas admito que não como no ballet. Já tinha ouvido falar nos pés feridos e ensaguentados mas a tua descrição diz muito mais...
    Quem nunca praticou não tem noção do que custa chegar a um bom nível de performance. O bailarino/dançarino tem que ter um ar gracioso, dar a ideia de que é fácil, de que não há esforço. Ninguém quer estar a assistir a um espectáculo em que os bailarinos estão claramente em sacrifício, desgastados, cansados...

    Apesar de termos desistido, a experiência conta sempre. As memórias ficam e eu aprendi muito ao longo dos anos. Não foi só a dançar mas também aprendi muito sobre a vida e as pessoas e conheci países, cidades que espero reencontrar um dia!

    Felicidades*

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  6. Tb tive o sonho de ser bailarina profissional, mas acabei por desistir por viver longe dos grandes centros onde havia as escolas e a possibilidade de progredir.
    Mas esta tarde... vou ver o filme. :)

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  7. Ó Luna, que desactualizada!

    Hoje em dia, não há papel higiénico, nem bocados de tecido ou gaze e muito menos bocados de carne crua (por ser um material parecido à nossa carne e "proteger").

    Hoje em dia, há isto:

    http://www.dancedirect.com/uk/Products/Footwear/TOEPAD2/toepad-gel-pointeshoes-footwear-accessories/

    Eu que já fiz aulas sem quaisquer protecção mas também nunca sangrei (Devo dizer para não me tomarem como regra, já que tenho uns pés de ferro.), considero este acessório a verdadeira oitava maravilha do mundo. Quase que parece estar de pantufas. Quer dizer, claro que não, chega a uma hora que doem como o caraças, os pés parecem que vão explodir dentro das sapatilhas mas que o conforto é diferente, lá isso é.

    Silicone é nos pés e não nas maminhas!

    Talvez experimentes e, em comparação, decidas que vale a pena regressar ao gostinho.

    Ou usa as sapatilhas de meia ponta. Fofinhas, confortáveis e o trabalho é maior.

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  8. Mulher, eu não me meto em pontas há 15 anos. Naquela altura não havia cá essas modernices. :)

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  9. Pffff, e ainda há quem diga que o ballet é "pra meninas" =)conheço a sensação, mas curiosamente, gostava dela... e foi deixando de doer tanto com o tempo e a prática (e os bocados de tecido parecido a collants enrolados à volta dos dedos), apesar do 4º dedo do pé direito ter ficado "marcado" durante muito tempo. E tenho tantas, tantas, tantas saudades.

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  10. Tu no teu melhor.

    E eu sabia que a Alexandra ia comentar. :))) Só não sabia das modernices de que ela fala.

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  11. mas o Black swan não convence... masquéaquilo??

    psicose? esquizofrenia?

    não gostei nada do filme...embora tenha cenas arrabatadoras e a Portman esteja muito bem

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  12. apeteceu-me comentar porque tenho alguma (parca,muito parca) experiência em ballet...comecei aos 5 anos e desisti aos 10,com a resolução de voltar depois de um ano de pausa.fui adiando,adiando,nunca mais voltei e agora já sou uma matrona de 21 e o ballet é para esquecer :p comecei com pontas se não me engano aos 9,e lembro-me de ter aulas extra nas quais passava uma hora só a andar de pontas para trás e para a frente para me habituar.ler o teu post até me arrepiou um bocadinho,mas o facto é que não me recordo de ter sentido demasiadas dores.lembro-me de a minha mãe andar a juntar aqueles «ombros» almofadados dos casacos para eu enrolar os dedos dos pés aí :p ainda tenho tudo muito bem guardado no armário - o meu tutu de tule branco, as sabrinas de pontas e as normais,saias de seda e maillots de licra... é com muita nostalgia que leio qualquer coisa relacionada com o ballet e até hoje arrependo-me de ter desistido,porque eu tinha bastante jeito para aquilo...

    dito isto,desculpa o testamento,e irei voltar mais vezes :)

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  13. Agora já não posso voltar a lembrar-me do livro "Anita no ballet" da mesma forma!! Obrigada,sim? :p Nunca fiz,mas sempre quis. Quando tiver filhotas,trato disso (se quiserem,claro!)

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  14. A Claude Bessy escreveu um livro autobiográfico em que explica os sacrifícios e, como dizes no post, a abnegação que a dança exige. Já o li há anos e anos, mas era muito interessante e ilustrativo de um mundo de competição (e até crueldade) extrema e completa dedicação física e psicológica.
    Acho que a Bessy, quando chegou a prima ballerina, tentou amenizar as coisas, torná-las um pouco menos duras na medida do possível. Enfim, não sei se conseguiu, mas lá que o livro é interessante, é.

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