4 de outubro de 2012

Momentos "WTF"

Quando numa defesa de doutoramento em Nijmegen, o reitor começa e termina a cerimónia com uma oração católica. O que, tendo em conta que a minha amiga que ia defender é chinesa, e como tal, mesmo se fosse religiosa, não seria sequer cristã, faz ainda menos sentido.

24 comentários:

  1. Permita-me discordar mas essa coisa dos países laicos que se estão nas tintas para a religião é uma demagogia que tem pouco mais que 200 anos e que não faz sentido quando a Europa tem as suas raízes cristãs. Se estivessemos num país árabe provavelmente as orações muçulmanas teriam o seu lugar e deveríamos respeitá-las. O mesmo acontecendo noutro país qualquer. Para que conste, o catolicismo têm crescido na China (verdade!!!!), por isso dizer que por ser chinesa não seria cristã... parece-me uma conclusão precipitada. Desculpe toda a retórica, mas não me contenho face a estes discursos laicos que não sei se serão mais obscurantistas que os religiosos.

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  2. Caro/a Unknown:

    O facto de certos costumes serem aplicados em certos países, não faz com que os deixe de ver como errados, e nem servirem como justificação a algo que não faz sentido em instituições supostamente laicas.

    Quanto ao " Para que conste, o catolicismo têm crescido na China (verdade!!!!), por isso dizer que por ser chinesa não seria cristã... parece-me uma conclusão precipitada"

    Bem, tendo em conta que refiro no texto tratar-se de uma amiga minha, nao se trata de uma conclusão precipitada, mas proveniente de conhecimento de causa - a minha amiga não é religiosa, e a sua família não é cristã.

    Obscurantismo para mim é impor a nossa religião a outros, independentemente da sua herança cultural e religiosa, numa ocasião que não tem qualquer implicação religiosa.

    Não é um casamento, não é um baptizado, não é um funeral, não é nenhum ritual com fundo religioso: é uma defesa de doutoramento em ciência, e à pessoa que defende não deve ser imposta uma manifestação religiosa de uma religião que, ainda por cima, não é a dela.

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  3. E já agora, sendo portuguesa, não religiosa, mas tendo perfeita noção de que os nossos rituais e herança cultural têm grande influência católica, não me chateia por aí além referências católicas em cerimónias, etc.

    Mas fosse eu muçulmana, judia, budista ou hindu, se calhar sentia-me um bocado ofendida de que na minha defesa de doutoramento me impusessem a mim e à minha família orações de uma religião que não a minha.

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  4. Mas isso não é uma universidade católica?
    A Stichting Katholieke Universiteit mais a Radboud Universiteit mais não sei quê, que não percebo nada disso.

    Se for uma universidade católica, parece-me que faz sentido ter orações a sublinhar os momentos mais solenes.

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  5. Helena:

    começou por ser, de facto, uma universidade católica, razão para manterem tal tradição, mas segundo sei, já não mantem essa conotação.

    Quando foi fundada, por católicos numa Holanda cada vez mais protestante, dirigia-se a católicos. Mas hoje em dia é uma universidade pública aberta a toda a gente, de todos os credos. Daí que me tenha surpreendido a manifestaçao católica.

    Até em Leiden - primeira universidade da holanda, e a mais tradicional - a cerimónia não inclui referências religiosas, embora tenha imenso protocolo.

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  6. p.s. e quando perguntei, disseram-me que já houve pessoas que pediram para que não houvesse a oração, e que o pedido foi negado.

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  7. Luna,
    repito que estou a falar do que não sei, mas parece-me que essa faculdade ainda está subordinada a uma fundação católica. Será que andam a tentar ocultar esse facto?

    Há bocadinho não continuei o comentário, mas ia falar da universidade católica em Portugal. Tenho ouvido muitas críticas, por parte de católicos, que dizem que a universidade é só católica de nome, e que devia ter mais cuidado com o tipo de ensino que faz - devia ser católica nos conteúdos e nos valores que transmite.
    Talvez o problema seja nós estarmos habituados a uma universidade que parece mais laica que católica, e estranharmos quando uma instituição católica de ensino se assume como aquilo que é.
    Penso que não é por aceitar alunos com outras religiões que deve renegar o seu próprio perfil.
    A minha filha andou num liceu católico, onde havia também muçulmanos, agnósticos e ateus, mas o início e o fim de cada período escolar era celebrado com missa - obrigatória para todos. E é para não falar no filho de amigos meus, que anda num infantário judaico (como o Estado comparticipa os custos, tem de ser aberto a miúdos de outras confissões) e aprende hebraico, e as orações, e as tradições, e tudo.

    Já uma universidade estatal não precisa de incluir a religião. Eu estranhava imenso quando via o bispo nas cerimónias académicas da Universidade do Porto. Será que ainda se faz isso?

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  8. Sinceramente, pode até ser estranho mas não vejo mal nenhum a vir ao mundo por causa disso. Provavelmente, trata-se apenas da manutenção de uma tradição e nada mais. É a História que faz de nós quem somos no presente!

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  9. Helena,

    fui investigar, e de facto parece que apesar de ter mudado de nome, deixando cair o "Katholieke", pelo menos na wiki continua a constar que continua a ter afiliação católica.

    http://en.wikipedia.org/wiki/Radboud_University_Nijmegen

    Eu confesso que continuo a achar que não se deviam misturar as coisas.

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  10. Luna,
    não temos de chegar hoje a uma conclusão definitiva. O que me interessa no tema deste post são várias questões (que podem ficar em aberto):
    - Essa universidade anda a tentar ocultar que é católica? as pessoas vão para lá sem saberem ao que vão?
    - Esperamos de uma instituição católica que renegue ou oculte a sua identidade? Nos estabelecimentos de ensino confessionais que conheço - excepto a universidade católica em Portugal - não há margem para dúvidas. As pessoas sabem bem ao que vão quando se matriculam lá, ou inscrevem os seus filhos. E não escolhem essas escolas por acaso.
    - É necessário haver universidades católicas? É uma maneira diferente de estar na Academia?

    (quase a propósito: temos andado a pensar mudar para um banco católico (não, não é o banco do Vaticano!). É mais caro, mas sabemos que fazem questão de ter uma conduta baseada em firmes princípios éticos. Não me surpreenderia muito se tivéssemos de rezar um pai-nosso antes de assinarmos os papéis da abertura de conta, para nos relembrarmos do essencial que deve estar subjacente aos nossos actos. E, claro, se não gostasse de andar em rezas com estes, sempre podia procurar outro banco.)


    Tiago Leal,
    penso que as tradições devem ser questionadas. Se as pessoas daquela universidade fazem uma oração no início de uma sessão solene apenas "porque sim", "porque sempre se fez assim", essa tradição torna-se uma perversão e até uma profanação.

    Deste ponto de vista, percebo a crítica da Luna: que lugar há para uma oração católica na defesa de tese de uma não-católica?
    (o que remete para a questão seguinte: e que lugar há para uma não-católica numa universidade católica?)

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  11. Helena

    eu não sabia que a Universidade de Nijmegen era de afiliação católica, por exemplo. A contribuir para isso estará o facto de ter deixado de se chamar "universidade católica de Nijmegen".
    Ou seja, tudo depende do ponto de vista.
    Eu andei dos 3 aos 15 anos em colégios de freiras, e obviamente ia às missas e tive catequese e religiao e moral e isso tudo que faz parte de se estar numa instituição católica. No entanto não sei até que ponto quem vai estudar para a universidade pública de Nijmegen está a par da afiliação religiosa da universidade.

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  12. Pois é, eles deviam ser mais claros quanto a isso.

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  13. Claro que quando se frequenta uma escola relogiosa, as pessoas têm de seguir as regras. Lembro-me de uma história que me contaram há anos, que até a mim, ateia convicta, me fez rir pelo absurdo: um pai tem um filho num colégio privado católico, e insurge-se pelo facto de o ensino de religião ser obrigatório. Ridículo.
    Agora em qualquer cerimónia pública, em instituições públicas, a regra deve ser o laicismo. A tradição não deve ser argumento; como dizia o outro, tradições há muitas. Quem se identifica com determinada 'tradição', pois que a perpetue, mas o espaço público tem natureza inclusiva e universal, pelo que faz mais sentido ser laico, portanto neutral.

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  14. Izzie, com "instituições públicas" queres dizer "não confessionais"?
    Claro que aí a regra deve ser o laicismo.
    Se queres que te diga, eu tirava essas tradições religiosas de dentro das universidades públicas (if any) e também tirava aquele folclore das fitas de dentro das igrejas. Há lá coisa mais triste que os estudantes que vão à igreja benzer as pastas e as fitas só porque faz parte da praxe?

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  15. Helena, eu nem tive nada com fitas pq fui em erasmus. Mas nao acharia correcto a benção não sendo religiosa.

    Há que haver coerência.

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  16. Luna,
    não estava a falar de ti - nem de longe! Mas o que me chateia é justamente a falta de coerência das pessoas. Alguns ainda estavam meio bêbados quando entraram na Sé, outros parecia que por pouco não levaram a garrafinha de cerveja com eles...

    Pois, é isso mesmo: o que é que pessoas que não têm nada a ver com a Igreja vão fazer à Sé, com as suas capas e fitas? E porque é que a Igreja se sujeita a essa palhaçada? (talvez porque no meio dos palhaços venham também aqueles para quem aquilo faz sentido; ou talvez porque pense que as portas das igrejas estão abertas a todos os que quiserem entrar)

    Mas também há a questão oposta: porque é que uma pessoa que não tem essa religião procura uma universidade católica para o seu curso ou doutoramento? Será que a oração antes da defesa de doutoramento é um preço a pagar? Será que uma pessoa que escolheu aquela universidade sabendo que era católica (essa parte ainda não está clara, no caso de que falaste) pode pedir que não haja orações na cerimónia final?

    Isto são apenas questões para pensar, não temos de lhes dar resposta hoje.

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  17. Helena, levantou uma questão muito pertinente

    "o que é que pessoas que não têm nada a ver com a Igreja vão fazer à Sé, com as suas capas e fitas? E porque é que a Igreja se sujeita a essa palhaçada?"

    e isto dá para outras coisas. Eu andei em colégios de freiras dos 3 aos 15 anos:

    - aos 15 anos eu estava para fazer o crisma quando duvidei da minha fé

    - e como tal, desisti de fazer o crisma, pq tinha dúvidas

    - tornei-me agnóstica e mais tarde ateia

    No entanto respeito os rituais e sei conportar-me em igregas, e respeito. Nao entendo a cena de querer rutuais católicos sem os respeitar, nao faz sentido. Infelizmente muita gente usa-os com menos raciocínio que o meu, e com menos respeito do que o meu.

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  18. Helena, agora lembrei-me do meu ano de finalista, e os meus colegas a fazer cara de caso porque eu não andava a 'fazer' pasta e fitas. Um dia um perguntou-me porquê e respondi que não ía à benção porque não sou religiosa. Ficaram admiradíssimos, e ainda frisaram que era uma tradição, não tinha mal nenhum. Claro, eu ali numa missa campal, com cardeal patriarca e tudo, a ser abençoada, era mesmo uma coisa bonita. As pessoas têm pouca tolerância, e pela tradição facilmente aceitam hipocrisia.
    Ah, e estive uns meses na universidade católica, onde um professor (por acaso bem medíocre, tadinho) podia e fazia umas 2 a 3 menções a S. Tomás de Aquino em cada lição. E falava contra o aborto em todas as aulas. A gente contava. Nem é preciso dizer que foi um dia muito feliz, aquele em que saí de lá ;)

    (já agora, tenho algumas ideias contra o financiamento de instituições religiosas por dinheiros do estado. com certeza no vaticano têm uns troquinhos que possam dispensar. nada contra subsidiar algumas coisas se estiver em causa serviço social, ou seja, estejam a prosseguir funções do estado. mas nesse caso, por exemplo, não podem restringir admissões a pessoas só de uma confissão, têm de ter carácter universal. há por aí umas ipss na área da educação muito beatas, que lá arranjam meia dúzia de pobrezinhos de estimação a quem dar qq coisinha, mas depois só filhos de doutores é que entram)

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  19. Sobre praticamente tudo o que dizes: de acordo (mas às vezes fico a pensar se devia julgar as pessoas pelas aparências, e tal. Às tantas, pode ser que aquela passagem pela celebração da benção das fitas lhes diga algo mais do que parece). Sobre o Estado participar ou não no financiamento de escolas privadas confessionais: ainda não tenho opinião. Precisava de me informar mais sobre os critérios para o fazer, e sobre a margem de liberdade que a instituição de ensino tem para fazer as suas rezas e vender os seus santinhos...


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  20. Que lhes diga mais do que parece, tudo bem. Mas a mim não dizia nada. E em vez de aceitarem a minha justificação de não ir participar numa cerimónia religiosa porque não o sou, eles é que acabam a tecer um juízo, formulando a premissa do 'alinha porque é tradição'. Faz-me lembrar a reacção de uma colega do liceu, quando soube que eu não era (nem sou) baptizada: "oh, então não podes casar na igraja!". Sim, ela disse isto muito chocada e consternada. Acho que há uma grande incompreensão com o ateísmo, porque estão habituados a que a gente 'alinhe' para não fazer ondas e não diga nada. Mas se eu não formulo juízos sobre quem participa, tinha ficado muito grata que também não mandassem bocas (porque foi uma boca) quando eu não participo. Até porque acho que o facto de não participar é uma demonstração de respeito pela fé alheia. Sem embargo de, quando assisto a uma cerimónia religiosa, o fazer de forma respeitadora. Bom, quando o faço, porque nunca entrei numa mesquita nem faço questão de entrar, mas isso são outros quinhentos.

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  21. Izzie, outro dia entrei numa mesquita. Que chatice, lá se foram mais alguns preconceitos...
    Foram incrivelmente tolerantes: não houve problema por as mulheres do grupo não cobrirem a cabeça (e ainda me lembro do véu que a minha mãe punha para ir à missa, nos anos setenta; a minha avó, essa, andava sempre de lenço na cabeça).
    Gostei muito da parte da oração em que eles ficam "ombro a ombro": muito simbólica.
    (Isto já não tem nada a ver com o post, pois não?)

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  22. Sim, assumo que tenho preconceitos. E foi por causa deles que não entrei numa mesquita, no Cairo. A de Lisboa não teria quaisquer problemas em visitar. O meu preconceito varia um bocadinho conforme a geografia. A parte do descalçar ou vestir modestamente não me incomoda, mas o véu, pela carga simbólica que tem actualmente, não o ponho. Sou uma pessoa torta, e nem o facto de também a minha mãe e avó terem assistido a missas de lenço (nem era bem lenço, a minha avó levava um pano rendado preto, a minha mãe em branco) me reconcilia. Também tenho problemas com as religiões que separam fisicamente as mulheres dos homens, nos locais e momentos de culto.
    (e não, não tem nada a ver com o post, mas está a ser interessante. uma vez tive uma longa discussão com um colega católico, sobre estas questões do respeito com as religiões, e percebi que as pessoas religiosas poucas vezes se questionam sobre o respeito para com os não religiosos. Somos a última minoria desprezada, e isso não me impele a desrespeitar a religião, mas simplesmente a não querer ter mais contacto com ela do que o estritamente necessário.)

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