28 de novembro de 2012

Caridade e caridadezinha, etc

Volta e meia vem à baila o tema da caridade e suas nuances, seja porque um blogger decide divulgar uma iniciativa ou programa, ou pela forma como o faz. Eu, pessoalmente, sou algo crítica relativamente à caridade e sua função, dado que acredito que deva ser responsabilidade da sociedade (e como tal estado) de cuidar dos mais desfavorecidos, sem ter de depender da generosidade de almas piedosas que contribuem voluntariamente para uma causa. Na minha visão de sociedade justa, toda a gente contribui proporcionalmente ao que ganha para garantir uma existência digna de quem tem menos possibilidades. E, no entanto, sabendo que não estamos ainda aí nem o estado é tão social assim, vou contribuindo, como posso, para acções sociais, vendo a caridade como um "mal" necessário.
E como tal encho uma caixa de cadernos e canetas e lápis para enviar para uma criança num campo de refugiados, dou uma moeda a quem ma pede, contribuo para a unicef ou ami sem fazer alarde disso, e sem esperar que me dêem nada em troca, nem postais, nem bonecos, nem nada. Geralmente, quando contribuo, até recuso receber o brinde que não me irá servir para nada, e escuso de acumular monos. Eu não preciso de comprar nada quando estou a contribuir para uma causa, como se fosse uma medalha de boazinha.
E isto por causa deste post da Pólo Norte, que conheço há uma data de anos - ok, é há 17 - e é dada a tudo menos à caridadezinha - ai tenho esta camisola desbotada cheia de buracos mas está boa para um pobrezinho - mas que se move por causas em que acredita mesmo, e cuja última iniciativa pode já ter salvado vidas. E que, ousou - credo! - gozar com os postais de instituições que ela mesma já fez. Também eu dancei ballet durante anos, com festa final em teatros nacionais, com bilhetes pagos a favor da cercis, e nem por isso os meus passos de ballet na terceira ou quarta classe eram propriamente dignos do ballet bolshoi, só porque eram caridosos. Mas as famílias lá iam aturar a estucha, porque lá tinham a sua criança.
Aquilo que adquirimos, ao contribuirmos para uma causa, não nos deve cegar quanto à qualidade do produto, que é simbólico, nem distrair-nos relativamente ao propósito final. E não faz mal dizer que os postais são feios, ou que as criancinhas dançam ou cantam mal para caraças, não importa, porque não estamos propriamente a comprar arte. Na verdade, nem deveríamos precisar destes pretextos materiais para contribuir.

6 comentários:

  1. Li o que escreveste e li o que escreveu a Pólo Norte. Honestamente? Não há saco. O mundo tem gente a mais.

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  2. Mais uma que vai para o inferno.

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  3. Acho espantoso que no nosso país sempre que alguém faz qualquer coisa pelos outros, e não interessa a dimensão, é logo reduzido a "caridadezinha". Parece que estão ali à espera de uma "falhinha" para poderem atacar e reduzir todo e qualquer trabalho a pó. Olha foi assim com a Isabel Jonet e agora com a Pólo.

    E por acaso acho que ela tem razão, compro há uma data de anos os postais da Liga dos Deficientes Motores e é cada bodegada, credo, mas pronto.

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  4. Eu cá adoro a caridadezinha. Gostava até de ter um conjuntinho de pobres que me fossem pedir à porta regularmente; depois podia dizer na rua "olha, ali vai o meu pobrezinho, aquele chinelo fui eu quem lho deu, mas ainda não estava tão roto, aquilo é gente que não estima o que lhe dão". Aliás, e aproveitando este orçamento, que vai cortar apoios sociais, podíamos lançar essa ideia. Cada um com o seu grupo de pobrezinhos, muito estimados e humildezinhos. Mas proponho que os ponhamos a costurar carteiras Gucce numa cave escura, sem cápsulas nespresso, que é pedagógico e é material que é capaz de se vender melhor que colares de volluto.

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  5. A propósito de solidariedade, mas a outra escala, talvez te interesses pelo documentário Pink Ribbons, Inc. http://www.imdb.com/title/tt2035599/ sobre marcas que se associam a campanhas para o cancro da mama pelo lucro (uma parte ínfima reverte para a causa em si), e ainda assim continuam a comercializar produtos com compostos ligados ao aparecimento de cancro.

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