9 de outubro de 2014

Repost: O conceito "pessoa mais asquerosa do mundo vs Bóbi" para totós

Aqui num post abaixo refiro-me à da frase do Daniel Oliveira que tanta celeuma tem causado como sendo infeliz, mas não por ser incorrecta, que não é.


O problema da frase é que ao exagerar propositadamente as características humanas e animais nos exemplos dados, nos provoca uma reacção emocional e pessoal relativamente a ela, impedindo-nos de a perceber o seu significado a nível abstracto, como princípio ético universal, em vez de a lerem como "o meu Bóbi ou o Hitler" ou melhor ainda, "o Daniel Oliveira defende os pedófilos". O que a frase deveria dizer é que qualquer vida humana deverá valer mais do que a de qualquer animal, o que implicitamente diz exactamente a mesma coisa, mas fere menos a nossa sensibilidade. E não se trata de religiosidade - Tolan, desculpa lá - mas puramente de ética.

E isto porque não se pode começar a relativizar nem subjectivizar o valor da vida humana, ou temos o caldo entornado, que como diz a Izzie, começamos a ter a ter seres humanos dispensáveis, e num ápice voltamos Auschwitz. Isto porque deixar a avaliação do valor da vida humana a cargo de sentimentos pessoais  é perigoso, já que a forma como cada um avalia o valor de outro ser humano (e seu consequente grau de asquerosidade) pode depender de coisas como raça, sexo, religião, classe social, forma de vestir ou orientação sexual. E se se começa por pesar o "Bóbi ou o Hitler", se calhar depois passa para o '"Bóbi ou o chinês", ou o "Bóbi ou o homem do talho que cheira mal" e por aí adiante. Ou, como até já li por aí, até há quem diga sem vergonha que mais facilmente salvaria os seus animais do que desconhecidos (e nem sequer é preciso serem desconhecidos violadores), pelo que, obviamente, não se pode pôr nas mãos do indivíduo a avaliação do valor de uma vida humana sobre a de um animal, já que para algumas pessoas basta serem desconhecidos para valerem menos. Desconhecidos esses que podemos ser nós, os nossos pais, os nossos irmãos, ou mesmo os nossos filhos. E como tal, parte da sociedade estabelecer o valor da vida humana, independentemente do indivíduo concreto, independentemente de julgamentos pessoais, e que por princípio deverá estar sempre acima de qualquer animal. Até porque não dá para distinguir o melhor do pior dos seres humanos só de olhar.


(E se mesmo assim for preciso dar exemplos: numa casa a arder, entre salvar uma pessoa ou um cão, um bombeiro deverá sempre salvar a pessoa, sem antes lhe ir verificar o cadastro.)

Inicialmente publicado a 15/01/2013

16 comentários:

  1. tens sempre as palavras certas :)

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  2. Até que enfim. Haja alguém que expresse una opinião que me deixa estar de acordo.

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  3. A última vez que comentei este post veio de lá uma maluquinha atrás de mim pro meu blog, lembras-te? :D
    Deus ma livre de fazer duas vezes a mesma asneira :D

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  4. E eu tenho gente que pensava normal, no facebook, a partilhar o abaixo assinado para proteger o cão. Haja paciência.

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  5. À conta do bendito cão, queriam fazer-lhe análises, usá-lo como (única???) cobaia de estudo, pô-lo de quarentena, eu sei lá, mas dizia eu que à conta do cão já li pérolas do tipo, considerar os animais inferiores ao homem lembra-me a escravatura ou se mataram o cão por que não matar os infectados. A sério, fui buscar o queixo ao chão.O ridículo da coisa é que as pessoas realmente não se apercebem das implicações de se considerar seres humanos de primeira ou segunda categoria.
    (Concordamos, hã? Não é maravilhoso?)

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    1. Há outros factores a ter em conta: deveriam sujeitar-se as pessoas que teriam de ter contacto com o animal para o manter vivo ao risco de contágio? Se faltam meios para tratar as pessoas infectadas, que logistica seria necessária para os animais. Havendo escassez de estudos epidemiológicos em animais, e não se sabendo se poderão os cães serem veículos de transmissão - embora aparentemente não sejam afectados pela doença - que riscos enquanto sociedade estaríamos dispostos a correr? E a nível de crueldade, seria melhor confinar um animal altamente social e com grande necessidade de afecto e contacto físico a total isolamento?

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  6. Somos todos animais, custa-me perceber porque uns são mais válidos do que outros. Só porque temos inteligência superior, somos melhores. Só porque temos emoções mais complexas, valemos mais. Então e entre um psicopata, que não tem emoções, e um desconhecido? E entre uma pessoa com défice cognitivo profundo, que nem sabe comunicar, e um desconhecido? Ser menos inteligentes e menos avançados emocionalmente faz-nos ser inferiores? Não. Ter um filho com o QI de uma abelha ou as emoções de uma orca fá-lo inferior, menos merecedor de viver? Não. Tudo o que nos faz animais superiores pode-nos ser retirado por um elevado número de patologias e malformações e isso não nos faz menos merecedores da vida. Porque isso faz a um animal menos digno da sua vida? Tivemos, simplesmente, a sorte de ter umas mutações vantajosas, não quer dizer que sejamos mais valiosos. Calhou. Saiu-nos o euromilhões genético. Mas até fazemos pior à mãe Natureza, que nos permitiu existir, do que bem. E somos tão avançados emocionalmente que matamos por diversão e não apenas para comer. Somos tão inteligentes que negamos que o aumento do aquecimento global seja verdade, mesmo que 99% da comunidade científica o diga e o senso comum nos mostre que as nossas praias foram engolidas pelo mar. Somos tão menos merecedores que começo a achar que todas estas pragas são uma tentativa de o planeta nos tentar "arrumar" a todos e voltar ao seu equilíbrio natural. Mas nós, como o vilão ideal, continuamos a achar maneiras de sobreviver. Nós não somos ninguém sem os animais, as plantas e o resto dos reinos, portanto, se os eliminarmos, morremos. Mas eles, sem nós, têm uma vida mais sossegada, feliz e livre, e conseguem encontrar o equilíbrio naturalmente. É o dom da vida e não o dom "de ser humano". Por isso, porque é que nós éramos mesmo especiais??

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    1. Esta tem resposta? Se calhar entendi mal.

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    2. Se quisermos continuar até ao cerne da questão é assim. O que nos fez evoluir não foi a selecção natural? A sorte de nos terem calhado estes genes? Foi. Foi pura sorte termos os genes adequados para o ambiente em que estávamos inseridos. Mas sorte também teve o último vencedor do jackpot do euromilhões e que eu saiba não o faz melhor do que ninguém. E eu ter genes para conseguir metabolizar a lactose não me faz melhor do que os que não os têm. Ou eu ter genes para conseguir ter um doutoramento não me fazem ser melhor do que os que não os têm. Ou eu ter genes para conseguir andar com as costas erectas não me faz melhor do que os que não os têm. Ou eu ter genes que me fazem andar sobre apenas dois membros não me fazem melhor do que os que não os têm. Eu não consigo perceber porque somos melhores do que qualquer ser vivo. Compreendo que exista dor e inteligência apenas a partir de um certo ramo da árvore filogenética onde começaram a existir espécies com células primordiais de um sistema nervoso. Compreendo o instinto de sobrevivência que nos faz querer arranjar respostas ao porquê de estarmos aqui, de sermos melhores. É certo e sabido que tentamos justificar tudo. Quando alguém morre num acidente de viação dizemos "ele gostava de andar rápido" e quando alguém morre de cancro dizemos "alimentava-se mal", por exemplo, mesmo não sabendo se foi a verdade ou não. Foi provado em estudos. E a morte foi jogo de sorte e azar. Tal como a vida. Tal como a evolução. A sorte fez-me ser mais inteligente do que um cão e não melhor. E a sorte faz-me ver que nenhum desconhecido é menos por ser desconhecido, não defendo o contrário apesar de achar os animais merecedores da sua vida. Já por isso os direitos humanos dizem "a pessoa humana" com o pleonasmo porque para muitos há pessoas que não são humanas e eles querem frisar que a "pessoa" seja ela qual for é humana e eu acredito nisso. Mas a sorte também me fez perceber que há mais possibilidades do que aceitar o que me dizem. Há possibilidades de se isolarem animais. Fazem-no quando um animal estranho entra num país. E se for para analisá-lo que seja. Quantos mais salvará? Com certeza a primeira pessoa que ficou contagiada também foi analisada até à exaustão mas com respeito e dignidade. Não entraram em pânico e a abateram. E quantos ela poderá possivelmente ajudar a salvar? É esse o princípio das cobaias em laboratório mas já por isso existem tantas comissões de ética que exigem que elas sejam tratadas com a maior das dignidades. E dignidade, neste caso, implicava pensar melhor nas possibilidades e envolver comissões de ética porque até o próprio bastonário da ordem dos veterinários achou errado. É preciso não entrar em pânico. Mas nós e o Adamastor, esse monstro que faz-nos temer o desconhecido e precipitarmo-nos nas decisões, não dá tréguas. E por eu achar que havia mais possibilidades não faz de mim má pessoa. Não quer dizer que eu ache que um cão valha mais do que qualquer pessoa (até porque já se percebeu que eu sou toda pela igualdade), sou apenas pelo pensamento claro e possibilidades.

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    3. Por acaso não somos assim tão especiais no que a dotação genética diz respeito - não nos afastamos muito de um verme ou de um porco, por exemplo. E no campo da adaptação a um ambiente específico também não são os genes que nos safam. Aliás, numa miríade de campos práticos os animais não racionais estão bem mais desenvolvidos e melhor equipados do que nós, humanos. Acontece que nós temos um cérebro, e isso muda tudo. Tuuuudo. E não é preciso estar aqui a dizer o que é que o cérebro faz por nós, pois não? Ou o que é que achas que fez alguém pensar que não podemos deixar isto tudo (a sociedade, a sobrevivência da espécie, etc) entregue aos bichos? Não é porque não gostemos deles, é porque no campo da acção, improviso, procura de soluções para os problemas, nós estamos substancialmente melhor equipados. E como podes afirmar tão convictamente que estás pela igualdade? O que é que comes? Nunca mataste uma melga? Convives bem com baratas ao pé de ti? Incomoda-te o facto de usarem ratinhos nos laboratórios como cobaias? O teu cão não come no chão? Temos que nos deixar destas hipocrisias de uma vez por todas... Essa coisa da igualdade pura e simplesmente não existe, porque enquanto pensamos nela podemos estar a mastigar um pedaço de carne de peru para nos reconfortar o estômago ou a pisar uma formiga na rua sem nos darmos conta e sem nos importarmos com isso, e como tal é melhor ficarmos caladinhos.
      Quanto às possibilidades de investigação, estaria totalmente a favor disso se não estivéssemos sob um alerta de crise mundial. Mas de momento não há disponibilidade (tempo, recursos) para se andar a salvar um cão quando ao lado estão seres humanos a precisarem de ser observados. Seres humanos que podiam ser a minha mãe, um irmão, filho meu. Alguma vez eu iria consentir que estivessem a dar atenção a um cão quando ela poderia estar toda virada para salvar a vida das pessoas? Jamais. E dou graças a todos os santinhos por haver gente com este discernimento em situações críticas (de contrário também não lhes seria permitida a entrada lá, julgo eu.)

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    4. Confesso que nem saberia por onde começar para responder, e nem tenho disponibilidade mental para o tentar, mas concordo largamente com a Vanessa. De resto, creio ser clara a minha posição relativamente ao assunto.

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  7. Salvemos os mosquitos no Verão! Não às fumigações nos pântanos!

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  8. Antes de mais quero só dizer que: Na situação hipotética de ter de salvar o meu gato ou salvar uma pessoa desconhecida, salvava sempre a pessoa. No caso do Excalibur (o cão da enfermeira espanhola com ébola), entre salvá-lo ou sacrificá-lo, eu decidiria sempre abater o cão.

    Divergimos, no entanto, na leitura que fazemos da malograda frase do Daniel Oliveira. É que quando afirmas "O que a frase deveria dizer é que qualquer vida humana deverá valer mais do que a de qualquer animal, o que implicitamente diz exactamente a mesma coisa, mas fere menos a nossa sensibilidade", estás a branquear e consequentemente a aligeirar o discurso. O exemplo que dás no final é intocável, porque imaculado. Vou pegar no teu exemplo e manipulá-lo, tal como fizeste com a frase do Daniel Oliveira: O bombeiro deveria salvar sempre o homem (mesmo sabendo ou não sabendo que o homem era este -http://timesofindia.indiatimes.com/city/mumbai/60-year-old-gets-life-imprisonment-till-death-for-raping-daughter-in-Mumbai/articleshow/40938529.cms ) e deixar o cão a arder (ainda que o cão fosse o Haatchi - http://www.tvi24.iol.pt/videos/owen-e-haatchi-uma-historia-de-amizade-incondicional/543440560cf2acbe0e60d00a/1).
    Ou seja, na tua opinião, fosse em que situação fosse, a vida deste violador prevaleceria sempre sobre a vida deste cão. Estás portanto a tentar dizer-nos que devemos ter como máxima que a vida deste violador é preciosa e muito mais valiosa que a de um cão que "dá vida". Lamento, mas não consigo reverter a frase do Daniel Oliveira para níveis de abstração.

    P.S - E já agora, que estou com as mãos na massa deixo aqui um jornalismo para totós: acrescentarem certos pormenores às notícias e às frases é mesmo desagradável ("He used to rape her twice a day for six years even when she delivered a child"). Se não podiam ter escrito "Violava a filha e foi condenado". Vai na volta escreviam só o título e ficávamos com uma ideia geral do crime. Diziam a mesma coisa e não nos feriam tanto a sensibilidade.

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    1. "Ou seja, na tua opinião, fosse em que situação fosse, a vida deste violador prevaleceria sempre sobre a vida deste cão."

      Sim.

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