30 de novembro de 2014

Sem palavras

Tugce Albayrak, 22 anos, interveio quando três homens assediavam duas outras jovens. Acabou por ser ela a vítima: morreu após ter sido violentamente agredida.


51 comentários:

  1. Fiquei também sem palavras. Apenas uma profunda tristeza, por a resposta a pessoas que defendem não se tratar de um assunto prioritário se revele tão brutal e trágica.

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    1. Um mero incómodo, uma mera falta de educação, sem dignidade penal...

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    2. Qual o assunto prioritário? Não percebi.
      Um conjunto de indivíduos exerce violência sobre terceiros. Não há moldura penal? Ou duvidam que se fosse um homem a intervir, também não apanhava no fim?
      Já vi bulhas por causa dos mais variados motivos, bebedeiras, trânsito, transportes públicos. Já vi um senhor idoso sacar de uma arma no autocarro porque uma rapariga não lhe cedeu o lugar.
      Um amigo meu foi espancado em pleno centro da cidade a defender um colega de uns rapazolas bem-comportados àprocura de sarilho.
      A violência existe na nossa sociedade, por isso mesmo criámos instituições, para defender os mais fracos. A violência física e psicológica não é exclusivamente dirigida às mulheres.

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    3. Exactamente em que medida é que este caso trágico se relaciona com a relativização da questão piropo? Expliquem-me, sff, caso contrário estão a dizer-me que eu compactuo com casos de violência (ponto) que resultam em morte, ao não lhes atribuir importância absoluta, e isso é assim a atirar para o ultrajante.

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    4. Bem, já tinha aqui escrito um comentário enorme, que desapareceu.


      A violência física e psicológica não é exclusivamente dirigida às mulheres - de acordo - mas é principalmente dirigida contra as mulheres. E tem existido um debate internacional relativamente à violência contra as mulheres, que pode ser seguido pelos hashtags #yesallwomen ou #notjusthello, que pretendem chamar a atenção para o facto de muitos comportamentos violentos terem origem em comportamentos de claro cariz sexual, entre eles o assédio, que enquanto sociedade aceitamos/toleramos, não lhe dando enquadramento penal.

      A diferença entre um acto aleatório de violência e este crime, que resultou na morte desta jovem - há umas semanas um rapaz também levou uma facada ao reagir ao assédio verbal dirigido à namorada (sobreviveu) - teve origem num comportamento de cariz sexual que não punimos e desvalorizamos enquanto colectivo.

      A violência existe na nossa sociedade - de acordo - e é por isso mesmo que se criam leis para nos proteger. Acontece que nem todas as formas de violência o são consideradas aos olhos da lei, e o assédio - que é apenas uma variante com diferente gradação da violência sexual dado que visa a intimidação e subjugação do outro - não é.

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    5. Em primeiro lugar, um ponto de ordem: a questão não é do piropo, é do assédio verbal. Em segundo, as garotas que esta jovem socorreu estavam a ser alvo de assédio verbal. Um dos agressores (verbais) não gostou que alguém interrompesse a digna actividade a que uns quantos matulões se dedicava, i.e., aterrorizar duas garotas menores, fez uma espera à jovem, agrediu-a com um taco de basebol, e provocou-lhe a morte.
      Muitas das pessoas que acham que a discussão sobre assédio verbal é inútil, e até parvalhona, defendem que a sociedade é mesmo assim, é uma questão de educação, é apenas desagradável, o assédio não é bem uma violência e muito menos de género, e se não gostam que se defendam, que têm meios para isso. Acho que este é só um exemplo acabado, muito miseravelmente acabado, do porquê de muitas mulheres não reagirem.

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    6. "principalmente dirigida contra as mulheres."

      Não pude deixar de rir... depois chorei um pouco.
      É dirigida contra os mais fracos.

      Homossexuais
      Minorias étnicas e religiosas
      Crianças
      Idosos

      Todos os que não se podem defender.

      Hoje, ainda bem, há uma consciencialização para a questão da violência doméstica, e ainda bem. Mas lá está, é uma questão cultural, que vai evoluindo, pois a moldura penal (agresão) já existia. A diferença é que hoje enquanto sociedade já não vemos a relação marido-mulher como algo que apenas lhes diz respeito, para o bem e para o mal.

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    7. Jon D,
      referia-me a violência de género ou sexual (e sim, aqui entra a violência contra homossexuais, também muito substancial). Ainda assim, estatisticamente, as mulheres são o maior alvo de violência, incluindo doméstica ou sexual.

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    8. Algumas estatísticas:

      http://www.unwomen.org/en/what-we-do/ending-violence-against-women/facts-and-figures

      https://www.rainn.org/get-information/statistics/sexual-assault-victims

      http://www.safehorizon.org/page/domestic-violence-statistics--facts-52.html

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    9. A comunicação social apenas diz que as garotas estavam a ser vítimas de assédio (não especificou o tipo), mas dado que se ouviram gritos de ajuda e estavam impedidas de sair da casa de banho, atrevo-me a dizer que houve alguma coerção física, e isso sim é punido. As garotas ficaram até em posição de contactar a polícia para depor, elas é que escolheram não o fazer, pois, e cito, "é provável que não tivessem ainda 18 anos e tivessem bebido."

      O facto de ter resultado na morte de uma pessoa não é relevante para a questão do assédio da forma como vocês a estão a expor, porque o acto de Tugce Albayrak foi um acto voluntário de extrema coragem perante alguém em sofrimento, que aconteceria quer esse sofrimento estivesse a ser resultado de um crime ou não. A morte trágica foi a consequência de ela ter intervindo naquelas circunstâncias, não uma consequência de nós, enquanto colectivo, considerarmos o assédio verbal mais ou menos grave.

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    10. Este caso insere-se no âmbito da resposta ao assédio, que muita gente usa como argumento para o desvalorizar: o de reagir se nos sentimos incomodadas. E uma das razões para a maioria das pessoas não o fazer é exactamente o medo de se ser agredida ao reagir, porque não sabemos se o parvalhão que nos está a mandar umas bocas é um psicopata e em vez de se calar não parte para a agressão.
      Eu já levei um estalo num autocarro exactamente por mandar calar um puto que estava a assediar uma amiga minha, por exemplo.
      A nossa sociedade condena a reacção violenta ao confronto, mas não condena o comportamento que originalmente desencadeia esse confronto e reacção. Porque o assédio verbal não é apenas assédio verbal mas um sintoma de algo muito mais grave, mais abrangente e enraizado.

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    11. Já agora, é curioso como algumas pessoas inferiram de um post intitulado "sem palavras" e com um link para uma noticia trágica, tantas associações directas. Deve ser influência de outros lugares...
      Quanto a mim, a minha agenda não é mandar bocas a alguém e os meus posts sobre violência de género não têm como objectivo atacar alvos particulares, mas combater a violência sobre as mulheres em todo o seu espectro. Pena que haja quem não consiga ver além do próprio umbigo.

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    12. Continuo na minha
      Esse tipo de reacções, veem-se imenso no trânsito. Quantas vezes algum mafarrico não pára o carro, e de certeza sem boas intenções, e o outro vai à sua vida, evitando o confronto?
      Parvalhões há em todo o lado.
      Metem-se com mulheres, como se metiam com os gordos no liceu. E quando confrontados, e em maioria, partem para a violência.
      Quem manda um piropo, e recebe resposta à altura, se tiver o tal civismo, encaixa, come e cala. Se não o tiver, agride, com palavras ou actos.

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    13. Concordo numa parte, mas não no todo: se é verdade que são na maioria demonstrações de poder para com os mais fracos, a também é verdade é que as mulheres continuam a ser os principais alvos desse tipo de comportamentos, pela sua posição de maior fragilidade e por estarem muito enraizados.

      "Quem manda um piropo, e recebe resposta à altura, se tiver o tal civismo, encaixa, come e cala."

      Acontece que quem manda um "piropo" - isto é, quem assedia verbalmente, de forma mais ou menos agressiva, mais ou menos obscena - não tem civismo, ou não o faria, porque é à partida uma agressão e desrespeito pelo outro.

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    14. A resposta ao assédio, tal como a resposta a qualquer tipo de provocação, tanto pode pode correr mal como bem, o desfecho é sempre incerto, porque falamos geralmente de pessoas que não conhecemos. Optar por responder ou ignorar o confronto é uma decisão que tomamos julgo que numa base diária, pelo menos quem tem de conduzir, fazer uso de serviços públicos, etc (viver em sociedade). Este caso em particular é um desses em que a resposta ao confronto correu mal, ainda assim ainda não percebi como é que isso se relaciona com a resposta colectiva dada ao assédio verbal. Porque o que se passou configurou um acto violento e criminoso (tanto o das vítimas assediadas como o acto contra Tugce), pelo que não consigo encaixar esta frase "A nossa sociedade condena a reacção violenta ao confronto, mas não condena o comportamento que originalmente desencadeia esse confronto e reacção" neste contexto.

      Quanto às agendas: a notícia é trágica e lamentável em si mesma, acho que o que se escusava, e foi o que me motivou a comentar, era o teu comentário e o da Izzie, fazendo passar a ideia de que há pessoas que, ao relativizarem (não desvalorizarem) a questão do assédio, estão a compactuar para que se dê azo a crimes destes, que não se relacionam com assédio verbal. Eu, que me lembro de ter aqui lido e comentado qualquer coisa sobre a questão piropo/assédio, achei esses comentários tremendamente desadequados.

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    15. Vanessa, I don't agre with what you são, but I'll defend to death your right to say it.


      (Anyhoo, eu vá já não tenho agenda, desde que me converti ao tufonisperto)

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    16. Vanessa, temos pontos de vista diferentes, e eu tenho o meu ponto de vista relativamente a todo o enquadramento deste tipo de crime. A Vanessa acha que não tem absolutamente nada a ver, eu acho que tem muito a ver, são opiniões. Concordemos em discordar.

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    17. *say. O tufonisperto também tem maus momentos, contagiei- o.

      (Já agora, está derivativa de nós pormos a discutir a forma mais adequada de reagir a determinado evento ou questão social, e a forma mais adequada de combater determinada situação, e cavar- se trincheiras por causa disso, faz-me lembrar a vida de Bruna, e o people's front of judea - divisionists! - hey, we are the people's front of judea. Percebe? Eu acho que esta situação escalou de uma situação de assédio, é uma reacção violenta por parte de um certo tipo de pessoa que se considera autorizado a fazer e reagir assim perante quem lhe faça oposição, e ainda mais se for uma mulher. A Vanessa acha que não, está no seu direito, mas que isso não nos derive da questão fulcral, a da violência de género. E por favor, não me digam que podia ter acontecido com um homem. Podia. Mas estatisticamente, é muito mais provável que aconteça com uma mulher, and that's priviledge)

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    18. Já agora, uma página que eu sigo sobre assédio na rua:

      https://www.facebook.com/StopStreetHarassment?fref=photo

      https://www.facebook.com/StopStreetHarassment/photos/a.383390202267.161907.60602632267/10152966515342268/?type=1&theater

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    19. Como se pode ver, não fui eu nem a Izzie que inventámos a relação entre esta morte e o problema, várias organizações internacionais também.

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  2. E ainda há quem se pergunte porque é que a maior parte das pessoas finge que não vê quando algo acontece debaixo dos próprios olhos... o meu coração está com os pais dessa rapariga!

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  3. Fiquei estupefacta ao saber, também não queria acreditar.

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  4. Acabei de comer um iogurte e subiu-me um vómito à boca. Às vezes faço isso quando ouço vizinhos à pancada, já me disseram para não me meter e chamar a polícia mas o que fazer quando o medo de algo pior é maior que o medo de ser agredida? Não consigo ficar indiferente, mas tenho medo, imenso medo. Se esta gentalha fosse sovada com o cu ao ar no meio da praça, até ficar sem pele e sem maneira de sentar durante 1 ano, talvez a coisa ficasse melhor.

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  5. estou confusa.... crianças, homossexuais, idosos e pessoas pertencentes a minorias étnicas e religiosas serão assexuadas? De cada vez que vejo afirmações como «as mulheres não são as principais vítimas de violência, são as crianças e os idosos» pergunto-me se o/a emissor/a já alguma vez viu uma criança ou um/a idoso/a. É que as pessoas não deixam de ter pertença de género apenas por uma questão de idade, ou, por ainda (ou já) não poderem contribuir para a reprodução da espécie humana.
    E a comparação com o trânsito.. enfim. É verdade que há gente - sim, em Portugal - que entra numa bomba de gasolina e atira (mortalmente) num desconhecido depois de já ter baleado um funcionário de uma loja. Mas era esquizofrénico e recusava tomar medicação (foi internado por ser dado como inimputável perigoso). Também há gente que - sem sequer ter título de condução legalmente válido - vai parar a tribunal por ter atirado o veículo automóvel que conduzia para cima de outro que estava a fazer uma manobra de ultrapassagem. Explicou a criatura que não suportava ter uma mulher a ultrapassá-lo. Uma doçuar este menino.
    Quanto à violência doméstica... o que dizer quando se desconhece que, durante séculos - até 1982, melhor dizendo, a correção física das mulheres - à semelhança da das crianças - era autorizada legalmente? E que os maridos estavam autorizados a executar as mulheres adúlteras em flagrante adultério, tendo como pena um afastamento de seis meses da comarca de residência. Privilégio estendido às situações em que encontrassem as filhas em «plena corrupção». Uma doçura. Tudo igual, porque as mulheres podiam fazer o mesmo, desde que o adúltero vivesse na casa marital com a amante. Sinceramente, é uma canseira ter de explicar tudinho à gente que se eriça logo que se fala em desigualdade de género. Ui, é tudo igual, se as mulheres ganham menos, está claro que é porque trabalham menos, evidentemente. E os homens também sofrem com a desigualdade de género. Claro que sofrem - basta pensar na socialização e na construção da masculinidade que é feita à base da ideia de: ser homem é, antes de mais, não ser mulher. Ilustra-se bem naquela frase muito elogiosa que se diz aos meninos quando se quer insultá-los ou humilhá-los: «pareces uma menina». Ah, mas claro, é apenas uma expressão idiomática sem qualquer valoração. Evidentemente. Denial, oblige.

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  6. Izanami:

    por acaso, aquando do comentário a que se refere aqui em cima, fui fazer uma pequena pesquisa sobre violência contra idosos e crianças, e curiosamente, nos dois grupos as estatísticas demonstram que violência é maioritariamente exercida em membros do sexo feminino.

    Existe um problema à escala mundial, é um facto. As estatísticas que citei acima da organização mundial de saúde são assustadoras (e reparemos, a OMS tem uma página específica para a violência contra as mulheres, o que é bom indicativo da seriedade do problema). Se em portugal a coisa é má (mais de 30 mulheres mortas este ano por violência doméstica), à escala mundial é um flagelo.

    Ora, a única forma que tenho à disposição para combater este flagelo e denunciá-lo e trazê-lo a debate é falando nele. É arma que cada um dispõe quando não tem poder maior. E é o que tento fazer, ainda que seja atacada e ridicularizada e chamada extremista por isso.

    Como costumo dizer, daqui a umas décadas saberemos quem estava certo.

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  7. Acrescento: se calhar, há 10 anos, teria opiniões diferentes sobre estas temáticas, se calhar algumas semelhantes a alguns comentadores e críticos da minha posição actual.
    Acontece que uma pessoa evolui, vai-se interessando por certos temas, vai lendo, vai-se informando, vai estudando, vai tendo noção dos preconceitos enraizados, ate começar a ver a "big picture".
    E é tendo noção dessa "big picture" que se consegue relacionar comportamentos e atitudes criminosas a conceitos interiorizados e enraizados de violência de género aceites na nossa sociedade.

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    1. Concedo plenamente. Daqui por 10 anos com certeza não terei as mesmíssimas opiniões que tenho hoje, seria sinal de que não tinha evoluído, mas também espero não incorrer na desfortuna de ficar com um pensamento tão embrenhado/viciado/orientado para uma determinada causa que comece a achar que ela está em todo o lado, que ela é que é a raiz de muitos males. É o que me parece estar a acontecer neste caso, mas obviamente que lá por me parecer isso não quer dizer que assim seja.

      Tenho o maior respeito e sensibilidade para com a luta feminista, ou não fosse eu mulher, e o flagelo de que falam consigo vê-lo, consigo senti-lo, consigo aceitá-lo como algo a ser combatido, e faço por isso. Mas efectivamente não me parece que se aplique aqui, tanto que muito do buzz que se gerou na Alemanha assentou na indiferença perante o sofrimento de alguém, não na deficiente resposta colectiva ao assédio verbal. A Tugce agiu como tinha de agir, cumpriu o seu dever cívico, mas infelizmente cumprir o dever comporta um risco quando o grau de perigo é desconhecido, sendo-se mulher ou não. Acho que seria mais proveitoso virar o debate para como deve ser a resposta ao confronto de forma a minimizar estas consequências terríveis, só isso.

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    2. Vamos cá ver, eu não discordo de que o debate se deva centrar na indiferença, no dever cívico, no agir quando se vê algo, etc.
      Acontece que o comportamento inicial que gerou a reacção que levou à morte da jovem se enquadra em assédio - creio que até aqui concordará comigo -, comportamento esse que não tem enquadramento legal, e como tal é tolerado colectivamente. E eu acho que o assédio é constantemente desvalorizado ao não ser penalizado, quando é um problema grave, muitas vezes gerador de violência (como foi neste caso).
      Eu não posso fazer adivinhações, mas se calhar, só se calhar, se o assédio fosse algo realmente punido legalmente, talvez os rapazes tivessem mais pruridos em assediar as miudas à partida; talvez aquele energúmeno (que certamente não assediava ninguem pela primeira vez) já tivesse apanhado uns sustozitos, já tivesse tido que prestar contas ou pagar multas por esse tipo de acção, e talvez já não o fizesse de ânimo leve. Talvez, se a nossa sociedade enquanto colectivo respondesse de forma efectiva ao assédio, em vez de o tolerar, a sítuação que originou esta tragédia não tivesse acontecido naqueles termos, talvez a Tugce não tivesse tido necessidade de intervir, talvez... São muitos talvez para os quais não temos respostas, mas não me custa a crer que se a nossa resposta fosse diferente enquanto colectivo, e essa resposta estivesse por isso enraizada na sociedade, que a coisa se tivesse passado de maneira diferente.

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  8. Mais um acrescento: sendo portuguesa, obviamente que tento que mudanças sejam feitas na lei portuguesa, já que não tenho legitimidade para o fazer noutros países. Mas nunca disse ser um problema exclusivo de portugal, muito pelo contrário, portugal é "mild" ralativamente a outros países.

    Há meses li um artigo de uma estudante americana que fez um programa de intercambio na índia, possivelmente um dos países top em termos de gravidade de assédio na rua a mulheres: quando voltou a casa, a rapariga foi diagnosticada com PTSD (post-traumatic stress disorder), aquilo que normalmente os soldados sofrem depois de terem estado na guerra, só que no caso dela era relativamente ao assédio e ameaças de violação, etc, que sofreu durante aqueles meses. Ela dava exemplos do género: "quando alguém elogia as minhas sandálias artesanais, eu digo que as comprei no mercado x a um vendedor que as fazia à mão, mas na verdade só me conseguia lembrar como fui seguida por um tipo durante 45 minutos enquanto andei no mercado"; ou quando falava de certos sítios bonitos e só se lembrava "de estar trancada no quarto, a tremer de medo, enquanto o telefone tocava com o recepcionista do hotel a telefonar com propostas". (a ver se consigo encontrar o artigo)

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    1. encontrei:

      http://ireport.cnn.com/docs/DOC-1023053

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  9. Obrigada pela ligação, Luna. Sim, é verdade. Mesmo entre as crianças e idosos/as as pessoas do sexo feminino são as mais vitimadas. Não é de espantar pois a desigualdade de género não desaparece na infância ou na idade maior.
    As reações totalmente exacerbadas e, frequentemente, ignorantes, fazem-me avaliar o país como muito misógino. O «piropo oprimido» é apenas uma - mas bastante ilustrativa (e particularmente ridícula) - das muitas contribuições de quem espirra sempre que se fala em igualdade de género. Sempre achei que defender a igualdade entre seres humanos seria uma ideia consensual entre pessoas civilizadas. Afinal de contas, os sociopatas da História são gajos - sim, maioritariamente gajos - que veneravam a desigualdade e, convenhamos, não deu bom resultado (para ser eufemística). De modo que, parecia-me um bocado para o básico defender a igualdade. Mas, em Portugal, sempre que se fala em desigualdade de género aparece logo a brigada dos/as negacionistas, que parecem temer a igualdade como eu temo aumentos de impostos! Não há paciência, sinceramente. Se são a favor da desigualdade assumam-no de uma vez por todas em vez de andar com a conversa absurda de que se as mulheres morrem de violência doméstica e se são violadas e se ganham menos ah e tal é uma exceção, são os monstros, é um problema individual e não tem nada a ver com violência de género. A cereja no topo do bolo da ignorância (ou má fé) do negacionismo é quando culminam a frase com: é uma questão cultural. Porque, afinal de contas, a desigualdade de género não tem naaaaaaaada a ver com a cultura das sociedades.. naaaaada.... Têm medo da igualdade? A psicologia talvez explique. Marquem consulta de psicoterapia no Serviço Nacional de Saúde enquanto este ainda existe. Pode ser que ajude.

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    1. Há um sketch muito bom do Louis CK sobre o assunto:

      https://www.youtube.com/watch?v=UTULoJlD_V4

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    2. A brigada do negacionismo vai sempre existir e insistir, mesmo em situações que tal leva ao absurdo. Nós Estados Unidos, por exemplo, há quem afirme à boca cheia que o que se passou em Ferguson não foi devido a racismo. Que ideia, foi apenas uma coincidência. O polícia não morre de medo de negros, porque é um preconceito incutido desde a mais tenra infanciam que são todos uns brutos e criminosos, não reage com força excessiva por causa disso - nem um disparo, quanto mais seis- e a palhaçada que se seguiu com o grand jury não foi um incrível cover up. Enfim, o facto de ser mais uma vítima de força policial excessiva que por acaso tem uma cor de pele escura não significa nada, claro. Aliás, o racismo já não existe, acabou no século passado.
      Há aí gente que é a fox news da blogosfera.

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  10. Não deixa de ser interessante como esta questão é levada para onde mais interessa.
    A celeuma passa não pela violência imposta sobre a o jovem, ou sequer sobre o assédio no wc, mas sim pelo desinteresse global em auxiliar alguém que precisava de ajuda. Mas presumo pelos comentários que aqui leio que tal apenas se deveu pelo facto de ser mulher a vítima, caso fosse homem, a solidariedade masculina era activada e aquele wc transformava-se numa zona de guerra.
    O exercício da violência sobre terceiros é histórico e global. As limpezas étnicas, por exemplo, não discriminam sexualmente.
    Sim, as mulheres são os elos mais fracos da sociedade, nums casos porque têm a inferioridade física, noutros (como India) porque não detêm direitos fundamentais.
    Daí a criar uma relação causa-efeito é onde está o erro.
    Dizer que a mulher foi agredida e morta porque é mulher, é um erro. Foi-o porque se meteu numa situação que levou ao confronto, e o desfecho seria igual caso fosse homem.
    Dizer que a morte se deveu a uma resposta a emasculação do agressor (interrompido enquanto fazia a "corte", ainda por cima por um ser inferior), é um erro, pois esses comportamentos agressivos mostram-se no pós-assédio, como em situações diárias (daí o exemplo simplista do trânsito, em que os índices de agressividade sobem, até há estudos e tudo).
    Mas é sempre bom verificar que a alternativa à misogenia é o ódio aos homens, são todos uns negacionistas, uns sociopatas, afinal na História o Caligula, Idi Amin, Hitler, eram homens, são a causa das guerras, da fome, e das sete pragas. Nada como generalizar, e mandar tudo cá para fora. Faz bem destilar esses ódios acumulados, limpa a alma.

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    1. Abramos o champanhe: primeiro argumento a fazer equivaler a alternativa a misoginia ao ódio ao homem.
      Confesso, Jon D., eu odeio homens, todos, todos! O meu pai, o meu irmão, me mate. São todos alvo do meu mais profundo desprezo e ódio, e sempre que posso faço-os sofrer horrores, como paga por séculos de discriminação e violência de género. Ah, já agora: o negacionismo não escolhe género.

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    2. De certeza que o rapaz sérvio também amará a sua (dele) mãe, irmã, tia, bisavó, mas isso não o terá impedido de cometer um crime de ódio (porque é disso que se trata, certo? Não é uma agressão, mas sim um crime de ódio).

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    3. Conhecia a negação do holocausto, confesso que nunca tinha deparado com a negação da violência de género. :-o

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    4. The UN Declaration on the Elimination of Violence Against Women states that:

      "violence against women is a manifestation of historically unequal power relations between men and women" and that "violence against women is one of the crucial social mechanisms by which women are forced into a subordinate position compared with men."

      "Kofi Annan, Secretary-General of the United Nations, declared in a 2006 report posted on the United Nations Development Fund for Women (UNIFEM) website that:

      Violence against women and girls is a problem of pandemic proportions. At least one out of every three women around the world has been beaten, coerced into sex, or otherwise abused in her lifetime with the abuser usually someone known to her.

      Violence against women can fit into several broad categories. These include violence carried out by ‘individuals’ as well as ‘states.’ Some of the forms of violence perpetrated by individuals are rape; domestic violence; sexual harassment; coercive use of contraceptives; female infanticide; prenatal sex selection; obstetric violence and mob violence; as well as harmful customary or traditional practices such as honor killings, dowry violence, female genital mutilation, marriage by abduction and forced marriage. Some forms of violence are perpetrated or condoned by the state such as war rape; sexual violence and sexual slavery during conflict; forced sterilization; forced abortion; violence by the police and authoritative personnel; stoning and flogging. Many forms of VAW, such as trafficking in women and forced prostitution are often perpetrated by organized criminal networks.

      The World Health Organization (WHO), in its research on VAW, categorized it as occurring through five stages of the life cycle: “1) pre-birth, 2) infancy, 3) girlhood, 4) adolescence and adulthood and 5) elderly”

      In recent years, there has been a trend of approaching VAW at an international level, through instruments such as conventions; or, in the European Union, through directives, such as the directive against sexual harassment, and the directive against human trafficking"

      daqui: http://en.wikipedia.org/wiki/Violence_against_women

      Organizações internacionais como a Organização Mundial de Saúde, a Amnistia Internacional, Nações Unidas têm programas especiais de combate à violência contra as mulheres for no reason, pelos vistos.

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    5. Foi isso que interpretou? Parabens.

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    6. Não há muito mais a interpretar quando afirma que a violência não é praticada especificamente sobre mulheres, mas em geral sobre terceiros e que considerar causa-efeito por se ser mulher em casos de violência é um erro, que foi o que disse.
      Mas parabéns a si, conseguiu de facto surpreender-me.

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    7. Nunca insinuei que a violencia contra as mulheres não fosse uma realidade.
      Defendo que as mulheres não são os únicos objectos de violencia.
      Acho que este caso em particular é um crime de ocasião, ao invés de um crime de ódio*. Até provas em contrário, mantenho.

      Pode ser que assim entendam. Assim deixe a cassete.

      Assim me retiro
      Pedindo desculpa por conspurcar o espaço

      *o facto de alvejar um negro não faz de mim automaticamente um racista.

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    8. Creio que ninguém aqui disse que as mulheres são o único objecto de violência, mas que são um grande alvo da mesma. Quanto a insinuações, se ler melhor os comentários que fez, dão azo a que se depreenda isso mesmo, uma vez que afirma várias vezes que o problema não passa pela violência contra as mulheres, mas contra terceiros mais fracos.

      De resto, não creio que tenha sido aqui maltratado nem acusado de conspurcar o espaço, de modo que não entendo a razão dessa resposta. Simplesmente não concordamos.

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  11. As limpezas étnicas não discriminam sexualmente? Só mesmo por um enorme desconhecimento é que alguém pode dizer isto. A História recente do Ruanda e da ex-Jugoslávia com o uso da violação como arma de guerra - que afeta em particular, e desproporcionadamente, as mulheres demonstram bem como as limpezas étnicas têm uma componente de género. Isso não significa que os homens não sejam vítimas de violência nas guerras. Aliás, o facto de se nascer do sexo masculino aumenta exponencialmente a probabilidade de ser morto em combate. Se eu pertencesse à brigada negacionista atirava logo com um: mas as mulheres também morrem nas frentes de combate. Naturalmente que morrem, mas em muito menor número. O monopólio das armas e da violência é masculino durante séculos (e ainda hoje é) e isso nunca impediu a existência de mulheres combatentes, espias, e assassinas a soldo, ou terroristas. Mas são exceções. Não há qualquer comparação. A assimetria é abissal. Tal como a assimetria é abissal quando falamos em vítimas de violência doméstica, violações, ou disparidade salarial, propriedade e níveis de pobreza. Facto: as mulheres são o grande grupo vitimado. Isso não faz delas fracas. Apenas demonstra que têm menos poder social. São coisas muito diferentes. Poder não é igual a força.

    Ah, fico sempre enternecida com o victim blaming: a mulher é que se meteu numa situação que conduziu à sua vitimação. Vitimologia rules. Suponho que as mais de 30 mulheres mortas, este ano, em contextos de violência doméstica também não tenham sido mortas por serem mulheres.... foi somente por se terem metido em situações que não deviam, as teimosas.
    Ah, e claro que sim, a minha solução para a misoginia é um profundo ódio a tudo o que é masculino: buu! Ah, e também tenho bigode.

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    1. "As limpezas étnicas não discriminam sexualmente? Só mesmo por um enorme desconhecimento é que alguém pode dizer isto. A História recente do Ruanda e da ex-Jugoslávia com o uso da violação como arma de guerra - que afeta em particular, e desproporcionadamente, as mulheres demonstram bem como as limpezas étnicas têm uma componente de género. Isso não significa que os homens não sejam vítimas de violência nas guerras. "

      só assim por curiosidade Izanami, o que é você acha que acontece a qualquer elemento do sexo masculino (independemente da idade) nessas zonas onde ocorrem essas maravilhosas limpeza étnica que só vitimizam mulheres? ficam calmamente sentados a jogar à bisca e à malha?

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  12. Assim, só por curiosidade, onde é que leu, das minhas palavras, que afirmo que os homens, enquanto vítimas de limpeza e extermínio étnico estão imunes à violência? Assim, só por curiosidade, quais as minhas palavras que lhe sugeriram que eu achava ou afirmava que durante estes cenários de extrema violência, os «homens ficam calmamente sentados a jogar à bisca e à malha?». Assim, só por curiosidade, qual foi a parte do «Isso não significa que os homens não sejam vítimas de violência nas guerras. Aliás, o facto de se nascer do sexo masculino aumenta exponencialmente a probabilidade de ser morto em combate», que lhe fez concluir que eu afirmo que «nessas zonas onde ocorrem essas maravilhosas limpeza étnica que só vitimizam mulheres? ». Mais uma vez, o que afirmei – está escrito, pode ir reler tantas vezes quantas as necessitar: a violência praticada durante limpezas étnicas tem um carácter de género. Isso significa que é diferente consoante o género da vítima. Mais uma vez: reconhecer que a violência é genderizada não implica anular o reconhecimento da violência de nenhum dos géneros, ok? Reconhecer que a prática de casamentos forçados atinge maioritariamente crianças do sexo feminino, não implica anular outras violências que acometem as crianças do sexo masculino (os meninos do Lago Volta são um caso muito genderizado, que atinge particularmente meninos). Assim, só por curiosidade, acha mesmo os homens são violados na mesma proporção que as mulheres? Assim, só por curiosidade, pode consultar alguma bibliografia. Há muita disponível. É só procurar antes de opinar. Aliás, se estiver mesmo curiosa, e quiser informar-se, pode começar por aqui: http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=4261753, assim, só por curiosidade.

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  13. "Mais uma vez, o que afirmei – está escrito, pode ir reler tantas vezes quantas as necessitar: a violência praticada durante limpezas étnicas tem um carácter de género. Isso significa que é diferente consoante o género da vítima. Mais uma vez: reconhecer que a violência é genderizada não implica anular o reconhecimento da violência de nenhum dos géneros, ok? Reconhecer que a prática de casamentos forçados atinge maioritariamente crianças do sexo feminino, não implica anular outras violências que acometem as crianças do sexo masculino (os meninos do Lago Volta são um caso muito genderizado, que atinge particularmente meninos). Assim, só por curiosidade, acha mesmo os homens são violados na mesma proporção que as mulheres?"

    nops. são mortos. ou na melhor das hipoteses escravizados. tem toda a razão e isso não discordo, a violencia discrimina consoante o género. as mulheres violam-se, os homens são mortos. Considerando então que ambos os géneros comem o pão que o diabo amassou mas de diferentes formas, pq é que é a violência contra as mulheres nessas zonas a questão e não a violência em si?

    pq é que "facto: as mulheres são o grande grupo vitimado." ?

    quanto ao link, tb tenho para a troca: http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/africaandindianocean/uganda/10621792/Konys-child-soldiers-When-you-kill-for-the-first-time-you-change.html

    pronto, agora que trocamos os cromos, podemos focar-nos e escandalizarmo-nos com a violência e barbárie da guerra e como afecta toda a população ou só parte é que continua a importar?

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  14. LJ,
    [vou ter de dividir a minha resposta porque o blogger tem um limite de caracteres]

    Eu não escrevi que «a violência contra as mulheres nessas zonas [é] a questão e não a violência em si». Embora, na minha opinião, dizer que a questão é «a violência em si» não ajude a compreender ou aprofundar as causas do fenómeno. A violência não é neutra.

    O que escrevi é que afirmar que a violência das guerras de extermínio étnico (ou de qualquer conflito militar) não discrimina sexualmente só pode ser fruto de grande desconhecimento. Porque discrimina. Está amplamente documentado. Isso não implica que as mulheres também não sejam assassinadas, torturadas ou escravizadas. Nem implica que os homens também não sejam violados – frequentemente para os feminizar (que é uma outra forma de humilhação), obrigados a violar outrem (masculino ou feminino) ou para quebrar laços entre prisioneiros/as, p.e. forçando um pai a ter relações sexuais com a filha, ou com o filho, ou outras combinações com o fim da destruir as pessoas, sem sequer ter de matá-las. Em cenários de guerra, frequentemente, as mulheres são violadas à frente dos homens família. Isto não acontece por acaso. Ou seja, não é «por coincidência» que, em cenários de extrema violência, se faz algo a uns e algo diferente a outros. Se fosse tudo igual ou eram todos/as mortos/as ou eram todos/as violados/as, ou fosse lá o que decidissem fazer. Mas não é. A violência não é neutra.

    Pela última vez: onde é que leu que «só uma parte interessa»? Porque é que acha que, o facto de se salientar que há violência de género e violência genderizada, isto é, que afeta desproporcionalmente um dos géneros, implica a desvalorização das outras violências? Aliás, eu dei diversos exemplos que afetam o género masculino desproporcionadamente (os meninos do Lago Volta, as mortes em combate de cenários de guerra e acrescento o seu contributo, dos meninos soldado). E, apesar disto, não vejo qualquer incongruência face à afirmação de que as mulheres sejam o grupo mais vitimado. Primeiro, porque o facto de ser o grupo mais vitimado em termos genéricos não invalida que haja outros grupos que sofram de violência. Em segundo lugar, porque está demonstrado estatisticamente - diversas fontes oficiais e não oficiais.

    Como eu escrevi anteriormente, as mulheres são o grupo mais vitimado pela violência doméstica, pela violência sexual, pelas políticas reprodutivas dos Estados, pela disparidade salarial, entre outras. E não são porque «eu acho». É o que os números, infelizmente, demonstram. Como eu escrevi, DIVERSAS VEZES, isto não significa que não haja homens vítimas [de violência doméstica ou de violência sexual, por exemplo, até mesmo perpetrada por mulheres agressoras], apenas significa que há uma assimetria abissal que faz com que determinado tipo de violência atinja desproporcionadamente um dos géneros. Mais, a maior parte dessa violência tem como agressor uma pessoa (ou várias) do sexo masculino. Da mesma forma que, a maioria das vezes que os homens são vítimas são-no por parte de outros homens.

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  15. As mulheres sofrem grande parte das agressões que os homens sofrem, mais as específicas dirigidas contra o seu género. Por exemplo, os homossexuais e as lésbicas ou pessoas com orientação sexual que desafie a heteronormatividade tendem a ser desproporcionadamente (i.e por comparação ao grupo heterossexual) alvo de violência. No entanto, as violações corretivas só atingem lésbicas. Por exemplo, as mulheres tendem a ser traficadas quer para fins laborais quer para fins de exploração sexual. Ou seja, sofrem dos dois tipos de violência. Os homens tendem a ser traficados para fins laborais. Mais uma vez: se isso significa que não haja homens explorados sexualmente? Não, apenas significa que não é uma violência que afete o grupo como um todo. A violência de género intersecciona-se/cruza-se com outras categorias, nomeadamente classe social, etnia, orientação sexual, religião, etc., que determinam o poder que alguém tem no seio social. Há mulheres que podem ter mais poder que outros homens (nem é preciso pensar na Lagarde ou na Merkel). Basta pensar numa mulher branca, de classe social alta, face a um homem negro, de classe social baixa, com uma deficiência. No entanto, se retirarmos as outras categorias (classe social, etnia, deficiência) e ficar apenas uma mulher e um homem (abstratamente), então a mulher terá sempre menos poder social que o homem. Ter menos poder não significa ser fraco/a. Significa tão somente que há um grupo que tem menos poder que outro. As pessoas não brancas têm menos poder socialmente do que as brancas e isso não impede que haja pessoas não brancas com imenso poder, mas não é uma característica do grupo. Mas os homens, por serem o grupo com mais poder social, são também o maior grupo agressor: quer de mulheres, quer de outros homens. Se isto significa que os homens são o demónio e as mulheres o céu? Pleaseeeeeeeeee.. não estamos (e acho que nunca estivemos) aí. Nunca vi ninguém que esteja interessado/a em discutir estas questões com seriedade a recorrer a lógicas binárias redutoras. O mundo é um bocado mais complexo que isso e tal como as mulheres não são um grupo homogéneo de gente, os homens também não o são. Apenas significa que a violência é genderizada e que a violência de género assenta em desigualdade de poder (como as restantes tipologias de violência de resto).

    Sabemos que a violência é genderizada quando, por exemplo, um cliente diz a uma funcionária de uma loja «a mim, uma mulher não me manda calar». Se ele disser: «a mim ninguém me manda calar» isto é violência neutra, em termos de género. Se ele diz «a mim, nenhuma preta me manda calar», ilustra violência de género intersecionada com a discriminação/violência étnica. Se ele disser: «a mim, nenhum paneleiro me manda calar» isto é violência com base na discriminação de orientação sexual, se for «a mim, nenhum monhé me manda calar» é violência com base na intolerância religiosa e por aí fora. O que estou a dizer é que não é igual dizer «a mim ninguém me manda calar» ou «a mim nenhuma mulher me manda calar» (ou qualquer uma das variações que possamos criar a partir deste exemplo). Sublinho: são TODAS violência, apenas duas são especificamente de género. E por isso, é que faz toda a diferença dizer uma frase ou outra. Porque enquanto a frase neutra implica uma violência não dirigida a um grupo, as outras são motivadas apenas porque aquela pessoa pertence a um grupo específico (mulher, mulher não branca, pessoa de orientação sexual não normativa, ou religião minoritária).

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  16. E por isso é que os exemplos do trânsito não servem. Porque os insultos que se dirigem às pessoas demonstram muito bem quer os nossos preconceitos, quer a distribuição social de poderes. A violência não é neutra, por isso é que a questão não é «apenas a violência», mas também esta. As mulheres são vítimas de violência APENAS porque são mulheres. E isso não acontece com os homens. Um homem é vítima de violência pela sua orientação sexual, pela sua religião, pelo seu estrato social, pela sua cor de pele, pela sua nacionalidade ou outras, mas não por ser homem. Isso não significa que os homens não sejam discriminados APENAS por serem homens, porque o são e basta pensar no acesso a determinadas profissões que, por serem consideradas femininas, embora legalmente não lhes estejam vedadas, na prática acabam por estar.

    E quando afirmo que as mulheres são o grupo mais vitimado não é uma questão de opinião. É uma questão estatística. Se há homens violados? Claro que há. As prisões estão cheias de deles. Mas fora das prisões também os há. A maioria dos agressores são outros homens. Se as mulheres podem violar homens? Podem. E há casos (embora haja mais casos de abuso sexual – aliciamento – do que de violação). Mas, mais uma vez, a assimetria é abissal. Não estamos num concurso. Eu defendo a igualdade. Não quero que os homens tenham menos poder que as mulheres [aliás, não conheço ninguém que defenda a igualdade de género que defenda que as mulheres devem ter mais poder que os homens]. Acredito numa sociedade equilibrada, com distribuição de poder social similar entre homens e mulheres. E, claramente, não é o que temos hoje. Negá-lo não irá ajudar a mudar o cenário. E como dizem nos EUA: «Men of quality do not fear Gender equality» (e claro que a negação não é idiossincrasia do género masculino, há ene mulheres que negam a realidade estatística), aliás, eu usei linguagem inclusiva quando falei em pessoas que negam a desigualdade de género, portanto, é óbvio que não estou a cingir essa negação a um género. De resto, tenho muitos amigos que não têm reações alérgicas [apenas de choque] aos dados da desigualdade de género (e nem precisaria de ter para saber disto. Sempre houve homens que observavam a desigualdade com base no género e contra ela se insurgiam. Por todo o mundo há inúmeros homens que não se sentem ameaçados com a perspetiva de os poderes sociais entre os géneros serem mais equilibrados e que lutam, juntamente com as mulheres, para que essa seja, um dia a realidade.

    Não sei onde é que as pessoas leem que reconhecer violência e desigualdade de género implica a desvalorização de outras violências. Não conheço ninguém sério/a que o faça. Não saindo desta caixa de comentários não vi da parte da autora deste blogue qualquer afirmação que indicasse que as mulheres são o único género vitimado. O que a realidade demonstra (ver estatísticas) é que as mulheres são o grupo MAIS vitimado.

    E agora, uma palavra para a Luna: este diálogo já ultrapassou em muito a generosidade da anfitriã na cedência do seu espaço. Obrigada e peço desculpa por esta invasão.

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  17. Bem, eu tive de me ausentar e só agora pude voltar ao debate, mas vejo que ficou bem entregue. Acho que não tenho absolutamente mais nada a acrescentar.

    Izanami, seja bem vinda, não tem nada que se desculpar, pelo contrário.

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