7 de agosto de 2015

Que linda é a ciência

Gostava de saber se aquelas pessoas que acham que os bolseiros de investigação científica são uns calões que não querem é trabalhar a sério sabem que uma bolsa de iniciação científica para um recém-licenciado é de 385€ mensais. Sim, abaixo do que ganhariam no McDonald's.

22 comentários:

  1. Vale para a arte, um artista é um drogado bêbedo que acorda tarde e fuma e não faz nada, passa a vida em bares, ou enfiado na caverna, e tal. Mas ninguém passa sem arte, ninguém a quer pagar, à música, aos livros, aos museus e tais, mas ninguém passa sem ela. Como ninguém passa sem a ciência, investigação científica então deve ser pior ainda, porque é um trabalho que não se vê, só quando os remédios e as vacinas estão cá fora é que eventualmente o povo percebe que se calhar houve alguém a trabalhar nisso, mas depois também não querem pagar os remédios e as vacinas, sério, já desisti de tentar enfiar bom senso à força na cabeça das pessoas... Acho que é dor de corno. a grande maioria odeia o que faz e não aguenta que alguém ganhe a vida, repara, não é ganhe dinheiro..., a fazer o que gosta. e depois é a cena de se sentirem importantes lá nas empresas onde são explorados, porque têm imensas reuniões, está pra nascer o gajo que me vai convencer que uma reunião vale a pena, é útil, é fundamental... bjos

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  2. julgo que para quem tem esse tipo de raciocínio haverá sempre uma lógica argumentativa que talvez nos (este nos sou só eu) escape. Estou certa que, se confrontado/a com essa frase, não seria difícil encontrar quem ripostasse com «pois, mas preferem ganhar menos e dizer que são cientistas do que estar num McDonalds». Já li coisas similares em fóruns. Recordo um em que uma criatura se queixava da dificuldade que tinha em arranjar uma empregada doméstica, apesar de pagar mais do que o Belmiro pagaria às operadoras de supermercado. Segundo a participante, a explicação, evidentemente, residia na soberba das pessoas que não queriam dizer que eram empregadas domésticas, preferiam, com toda a certeza ostentar o honroso título de funcionários/as da Sonae. A desvalorização pelo trabalho alheio advém da ignorância e desinformação. As pessoas não fazem a menor ideia do que estão a falar, mas, claro, à boa maneira dos/as ignorantes atrevidos/as, gostam de opinar com toda a assertividade. Não sei se a inveja, ou a 'dor de corno' como a Isa a colocou, desempenhará uma forte componente neste tipo 'argumentário'. É possível que sim, não sei, embora eu resista a dar como explicação a inveja. E depois há outro aspeto: a discriminação dentro das ciências. Há muitas hierarquias dentro das ciências - basta olhar para os orçamentos europeus dedicados à ciências (quanto é que levam as ciências sociais? Quanto é que levam as humanidades?). Basta lembrar as narrativas do governo que desprezam totalmente quem investiga literatura, história ou qualquer coisa que, na sua ótica, não contribua para o PIB nacional. As pessoas respeitam alguém de bata com um tubo de ensaio e a olhar para um microscópio, mas respeitam alguém que passa o dia inteiro numa fábrica a observar as interações sociais?

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  3. Eu já levei (e continuo a levar) muito com essa ideia de que fazer doutoramento não é trabalho, e até já vi lindos comentários em blogs dizendo que eu vivia de subsídios e coiso, enfim, de rir - por acaso na holanda é considerado trabalho, somos trabalhadores da universidade, com salário, impostos e direito a fundo de desemprego quando acaba o contrato. No entanto por cá, o facto de não se ter estatuto de trabalhador, não só prejudica os bolseiros pq torna os investigadores não trabalhadores aos olhos dos outros, além do que toca a regalias sociais: não há direito a baixa, fundo de desemprego, ou salário mínimo, como este escândalo de uma bolsa de iniciação científica.

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  4. E já melhorou, que quando eu comecei eram uns fantásticos €140

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  5. Mas cá também é trabalho. Por isso é que os/as bolseiros/as de doutoramento têm um contrato de exclusividade (tal como os/as funcionários/as públicos/as), estando-lhes interdita a execução de outras tarefas remuneradas salvo umas exceções muito, muito excecionais e que dão direito a diminuição na bolsa. Julgo que um dos problemas é mesmo o facto de se chamar 'bolsa'. Crescemos a associar 'bolsas' a estudo, isto é, a um valor que permite ajudar alguém com escassos recursos a concluir a sua escolaridade obrigatória ou a prosseguir nos seus estudos superiores. Não estamos habituados/as a pensar em bolsas de investigação. E uma bolsa de doutoramento é precisamente isso: é um financiamento para fazer uma investigação. E é precisamente por isso, que a candidatura envolve um projeto, e que uma avaliação desse mesmo projeto por parte de cientistas séniores. Uma vez tive uma discussão com uma pessoa precisamente porque essa pessoa insistia que não compreendia a lógica das bolsas de doutoramento por parte do Estado. O argumento dele era: 'se alguém quer continuar a estudar deve encontrar financiamento fora de fontes estatais. Trata-se da sua formação avançada e o Estado já financiou grande parte dela, não faz sentido continuar a financiar mais'. Ora, não se trata de estudar para melhorar a sua formação. Isso faz-se durante a licenciatura e durante o mestrado (embora, agora com Bolonha, existam doutoramentos com planos curriculares, ou, como se chamam agora, programas doutorais). Trata-se de contribuir para o conhecimento científico com uma investigação financiada. Naturalmente, um/a investigador/a estuda. Mas o que o Estado está a financiar é precisamente a investigação, cujo projeto foi avaliado e aprovado. Talvez fosse importante explicar isto de uma vez por todas. Não se trata de alguém que não tem dinheiro para estudar. A pessoa pode ser milionária e se o projeto for considerado bom terá bolsa na mesma. E mais: o Estado financia muita investigação privada, basta olhar para as listas de investigadores/as financiados/as para ver a que centros de investigação pertencem. E muitos não são do Estado.

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  6. Epá, esse valor é um escândalo, ponto.

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  7. Sim, as bic tem esse valor, mas as restantes o valor aumenta, para valores até muito acima do ordenado medio nacional (especialmente em bolsas de gestão de ciência e tecnologia)

    Além disso essas bolsas são pensadas para quem ainda está a estudar e quer começar a fazer investigação, ou para recem licenciados de bolonha, ou seja para quem ainda falta a parte de mestrado de bolonha, portanto não é propriamente a mesma coisa do que um recem licenciado dos antigos.... é preciso separar as águas... Se quem concorre a elas tem outras valências, bem está no direito de concorrer.

    Como doutorados respondem a bolsas para bi, e afins... depende do contexto, do que precisa, da necessidade.. agora o objetivo dessas bolsas não é equivalente a "1º emprego" longe disso, nem a pessoa que tem uma bolsa desse género "cria" um projeto de raíz....

    Enfim, muito se podia dizer sobre o assunto, mas acho que o post é um bocadinho a atirar areia para os olhos (não signifique que não ache um valor reduzido, que acho, mas o modo como está referido pode ser mal interpretado.

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  8. Ah, e mais uma coisa, nao sei se sabes quanto ganham as pessoas do mcdonals, mas sei de muitos casos (não sei se depende da gerencia ou é geral) que só deixam os funcionario trabalhar x horas para nao ganhar mais de 200 e tal euros, ou seja preferem ter mais funcionarios a ganhar pouco, do que menos a trabalhar mais. Desconheço as vantagens/desvantagens em termos laborais mas isto acontece (várias pessoas conhecidas a trabalhar nesta situaçao em mcdonalds).

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    1. usei o exemplo mac apenas para salientar que em lado nenhum se ganha menos que o salário minimo. as bolsas sao de iniciação, sim, mas implicam trabalho exclusivo.

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  9. "Calões" exclusivos que dão ao litro, para trabalhar e investigar coisinhas supérfluas que se calhar as pessoas que vão ter profissões a sério até vão estudar. Se calhar, digo eu. Mas eu sou um ex-calona que até acredita nesta coisa da ciência.

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  10. Penso que há uma outra questão que não está a ser considerada nesta discussão. É verdade que, com diz a Espiral, as BIC podem ter sido pensadas para quem ainda não terminou a licenciatura. No entanto, a prática é indicadora de outra realidade, como ilustra este exemplo em que se oferece uma BIC a um/a licenciado/a (e algumas organizações têm denunciado outros exemplos similares) http://www.fct.unl.pt/noticias/2014/07/bolsa-de-iniciacao-cientifica-bic-licenciado-duas-vagas. A remuneração oferecida por cada tarefa deveria ter em conta um conjunto de fatores, entre os quais se conta o número de horas de formação exigida para obter as competências necessárias à função. Por isso é que as funções qualificadas, ou para as quais se exige qualificação superior, são (ou deveriam ser) mais bem pagas do que as não qualificadas. Por isso é que é uma aberração em termos de lógica de mercado de trabalho pedir um/a arquiteto/a, engenheiro/a, ou docente em troca de pagamento de ordenado mínimo (que, aliás, não se afasta assim tanto do ordenado médio). É que, é suposto pagar o ordenado mínimo para o desempenho de funções para as quais foi necessário apenas um número mínimo de formação. Qualquer pessoa pode preparar uma mesa de um café – após uma breve formação (isto tem variações, obviamente, mas vamos manter um cenário simples e excluir a restauração sofisticada e Michelin, porque para esses também é suposto os/as empregados/as terem formação especializada e/ou superior, nomeadamente em turismo, e a qual deveria ser paga como tal), no entanto, apenas alguém com licenciatura em arquitetura pode projetar (legalmente) uma construção. Logo, jamais estas duas funções poderiam ser pagas da mesma maneira. O mesmo é válido para o McDonalds e uma BIC (o que torna a frase da Luna ainda mais gritante). É que a formação para trabalhar num restaurante fast food não envolve três ou quatro anos de formação intensiva (um/a licenciado/a em qualquer coisa a trabalhar num McDonalds deve receber o mesmo que um/a não licenciado/a, mas um/a não licenciado/a nunca poderá ser arquiteto/a). Nunca deveriam ser pagos da mesma forma. Isso é simplesmente uma perversão da lógica do mercado de trabalho. Por último um aparte relativamente à questão da preferência por empregar turnos de poucas horas: obviamente poderá haver diversas explicações, inclusivamente de ordem fiscal (e, em alguns casos nem passar por esta que me vou avançar) mas, devido a experiência própria, veio-me logo à cabeça o número de horas a mais [para além do horário] que cada pessoa trabalha por semana, em particular quando se trabalha a tempo parcial, e que nunca são pagas (trabalhei em diversos sítios em que isso era prática comum e até se riam ou achavam uma bizarria quando alguém lembrava que tinha trabalhado mais 30 ou 40 minutos para além do horário – todos os dias! – mas que essas horas não constavam da folha de horas….). Enfim, o maravilhoso mundo do trabalho não qualificado onde reina a máxima do: “vamos explorar outro ser humano o máximo que der, que quando este/a acabar há mais”. Nesta mesma lógica, também não me parece valor pago, em Portugal, a bolseiros/as seja excessivo (pelo contrário) – as bolsas mais elevadas são pagas a doutorados/as e nem sequer atingem 3000€. Se compararmos com as remunerações de altos quadros nas empresas e na função pública rapidamente se percebe que não são nada excessivas. Aliás, pelo contrário. O que acontece é que num país em que os níveis de desigualdade salarial são absurdamente elevados, como Portugal, uma bolsa de 2750€ parece muito (e é muito se pensarmos que há anúncios a pedir licenciados/as oferecendo o ordenado mínimo ou nos lembrarmos que vivemos num país em que, segundo dados do INE, apenas 10% das famílias pode suportar os custos de uma semana de férias, por ano, fora de casa, e em que 50% dos agregados não tem dinheiro para se aquecer/aquecer a residência. Mas não é muito tendo em conta as especificidades das funções e os anos de formação para atingir aquele grau de especialização).

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    1. Bem, eu não sei que bolsas são essas de quase 3000€ (group leader?), mas uma bolsa de posdoc são 1500€, 1 meses, ou seja, menos de 1300€ se considerarmos o esquema normal de 14 meses, com a diferença que se se tiver um cancro, azarito, vai para casa e não se recebe nada, idem para um filho ou para o fim de contrato em que não se tem direito a fundo de desemprego. E bem se pode fazer isso durante 40 anos que também não dá direito a reforma.

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    2. Há um tempo de facto não havia direito a reforma. Agora o estatuto refere que dá direito a anos de serviço com o pagamento do SSV. Anos de serviço significa ter direito a reforma, penso.
      3000 euros é para os investigadores FCT, penso, mas não são bolsas, são mesmo contratos com descontos e tudo direitinho, O concurso está a decorrer mas é muito lindo porque só permite que vão a concurso os doutorados há mais de 3 anos..

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    3. Talvez tenha mudado entretanto, não estou completamente a par.

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    4. Concordo com o que têm vindo a discutir. Apenas uma informação, que pode ser útil - não sei há quanto tempo é assim, mas agora é: no caso da FCT, há suspensão de bolsa sem prejuízo do pagamento de manutenção mensal por 4 meses após nascimento/ adoção (equivalentes a licença de maternidade).
      Em relação a baixas por motivo de doença, apenas é garantida alguma remuneração a quem fez descontos para o SSV e o valor será em função do que foi descontado (não é a FCT que paga, mas a segurança social).
      Também já tenho ouvido que quem desconta para SSV pode contar esses anos para a reforma, mas sobre isso não tenho nenhuma documentação e acho que é algo relativamente novo...

      Este limbo em que nos encontramos dá-me cabo da cabeça: não temos estatuto de funcionários para usufruir dos direitos, mas recebemos os emails e as solicitações normais para os mesmos deveres; temos contrato exclusivo, mas não podemos fazer os descontos normais que nos dêem segurança e subsídio de desemprego, etc; não podemos incluir os rendimentos no IRS, mas também não nos podemos inscrever no centro de emprego, nem trabalhar em mais lado nenhum em horário pós-laboral/ fds... Enfim... (Já sem falar da remuneração de 12 meses e não 14...)

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  11. Acho que esta enganada. Os 385 euros são antes de acabar a licenciatura. Com o diploma na mão são 745. Com o de mestrado 980 e com o de PhD 1450. Não é que eu ache muito... Mas faz toda a diferença.

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    1. Deveria ser assim, mas não é bem, que recebo notificações diárias de bolsas de investigação, e volta e meia por curiosidade vou espreitar os requisitos, como por exemplo nesta:

      http://www.indeed.pt/viewjob?jk=7324cd61d62f75a2&q=Bolsa+Investiga%C3%A7%C3%A3o&l=Portugal&tk=19s5t23db1pliagt&from=ja&alid=f474b6f65b4c4226&utm_source=jobseeker_emails&utm_medium=email&utm_campaign=job_alerts

      Anyway, dado que uma pessoa mesmo que tenha a 4ª classe, por lei, deverá receber pelo menos o salário mínimo, não faz muito sentido que licenciados, ou perto disso, ganhem menos em instituições públicas.

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    2. O que acho mais vergonhoso é que são as instituições do Estado que colaboram nesta pouca vergonha de contratar pessoas - no caso que apontas, com uma licenciatura em engenharia química! - por menos do ordenado mínimo nacional! Não me deveria espantar, já que também há ene instituições do Estado a aproveitar os maravilhosos contratos de inserção de desempregados/as que os/as põem a trabalhar sem contrato e, após o final do subsídio de desemprego podem devolvê-los ao desemprego oficial - desta vez, já sem subsídio uma vez que não estiveram a "trabalhar".
      Um apontamento: quando me referi a bolsas mais elevadas, estava a pensar nas BCC (https://www.fct.pt/apoios/bolsas/valores.phtml.pt). Tomei como referência o valor mais elevado (que é baixo tendo em conta a exigência de especialização, mas que pode ser considerado elevado se pensarmos no quadro nacional de remunerações)

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    3. Ceridwen, estamos a falar do estado que, até há bem pouco tempo, contratava estagiários a recibo verde e pouco mais que salário mínimo para fazer o trabalho de técnicos superiores, portanto, licenciados. Já nem falando dos professores contratados, e das empresas que "fornecem" serviços de limpeza, prestados por senhoras imigrantes que, se ganharem dois euros por hora, é uma festa. Sim, porque há que conter a despesa, e um auxiliar ainda ganha 600 euros, credo. Uma tristeza.

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    4. Tens toda a razão, Izzie. É uma vergonha.

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    5. Bem, felizmente no meu lab isso nao acontece. Ninguem licenciado trabalha a tempo inteiro com menos de 745. O maximo que acontece é alguém com formaçao ainda acima de licenciatura concorrer as de 745, mas o edital nunca pede mais do que aquilo a que legalmente corresponde. Eu acho até que este que mostras aqui ou é um erro ou viola claramente todas as regras. nao podem fazer isso.

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