13 de junho de 2005
Eugénio de Andrade
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
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A última vez que estive na presença do Lobo Antunes, ele contou-nos como é que Eugénio de Andrade escrevia poesia. Lobo Antunes achava que os poetas escreviam de mijaneira, que era só sentar e aquilo saía de esguicho. Mas não. Eugénio era extremamente meticuloso. Poderia passar dias a escolher a combinação de palavras para um verso apenas! Só assim podemos entender a harmonia dos seus poemas.
ResponderEliminarÉ um dos meus poemas preferidos. É muito lindo mesmo. Eugénio, do meu ponto de vista, foi um dos melhores poetas portugueses. A poesia dele envolve uma pessoa. E é bom saber que ainda há pessoas que têm bom gosto e sabem apreciar poesia.
ResponderEliminaré isso Luna... tiraste-me as palavras da boca..
ResponderEliminar'..as palavras estão gastas, Adeus!'
Grande perca, mas a vida cansou-o bastante, 82 anos de isolamento e de mau feitio! Foi um descanso merecido! Assim como para o Cunhal..