8 de outubro de 2005

Coisas que me irritam profundamente

- Então o que estás a fazer?
- Agora estou a fazer mestrado.
- Então e depois?
- Depois, se tudo correr muito bem sigo para doutoramento.
- Então e trabalhar, não?
(É nesta parte que me tenho de controlar, respirar fundo, guardar toda a minha raiva e não começar a espancar o meu interlocutor e responder calmamente.)
- Não consideras investigação trabalho?
- Não é a mesma coisa, vida de estudante é muito boa. Eu notei muita diferença entre a universidade e a vida de trabalhador.
(Mais uma pausa para ganhar fôlego, enquanto penso: "pois, isso era na licenciatura, que consiste em ter aulas e estudar para exames duas vezes ao ano" e explicar que na área científica uma tese de mestrado ou doutoramento implicam muitas horas de trabalho por dia no laboratório, fora a quantidade interminável de artigos que se tem de ler fora.)
- Portanto, trabalho a sério seria eu estar atrás de uma secretária ao telefone a tratar das encomendas do armazém da Zara, certo? Estar no laboratório a fazer experiências é só uma diversão. Coisas parvas de quem quer boa vida e continuar a estudar...
Desisto!
É por estas mentalidades que o país não anda para a frente. A investigação em Portugal é sobretudo feita por bolseiros - quer de BICs, quer de doutoramentos ou pós doutoramentos - mal pagos e mal vistos - cambada de preguiçosos que não querem é trabalhar - e, no geral, não é considerada trabalho a sério.

11 comentários:

  1. Por acaso deve dar pouco trabalho, deve...
    Não ligues a essas bocas da reacção! Investigação é um trabalho, nem mais nem menos, e bem necessário. Infelizmente é bem verdade que por cá não se dá o devido valor aos investigadores, com muita pena minha. Conheço quem tenha rumado a outras terras para o fazer, e o país é que perde. Mas quando um português alcança notoriedade mundial por trabalhos de investigação (realizados na estranja, claro) já todos esses maldizentes erguem alto a bandeira do orgulho nacional! Bonito, este espírito pequenino que nos caracteriza...

    ResponderEliminar
  2. Cara Luna,

    acredita que, apesar de todo o trabalho que possa dar tirar um mestrado (eu escrevi "possa" e não "dá" porque a dificuldade é bastante relativa... principalmente se não se estiver a fazer mais nada, tal como parece ser o teu caso), a vida de estudante é mesmo "boa vida" e tu, melhor do que ninguém, sabes bem que é.

    Não há, ou pelo menos não devia haver, qualquer dúvida sobre a importância da investigação para o desenvolvimento socio-económico de um país.

    Da mesma forma que são necessárias pessoas sentadas atrás de uma secretária ao telefone a tratarem das encomendas da Zara, também são necessárias pessoas sentadas, ou em pé, em laboratórios a fazerem investigação.

    Felicidade é fazermos o que queremos e querermos aquilo que fazemos
    Françoise Giroud

    ResponderEliminar
  3. Não ligues! É preciso gente com coragem para ser mais forte que mentalidades baixas! Por elas é que provavelmente os cérebros fogem daí... Bjinhos

    ResponderEliminar
  4. Não é Portugal que é pequenino... os portugueses é que são muito pequeninos. Muito, mas muito pequeninos, mesmo!
    Haveremos sempre de ser como as fragas. Rudes, mal-formados e com a mania do chico-esperto!
    Queria emigrar, mas não me deixam...

    ResponderEliminar
  5. Noutros países que não Portugal, mestrado que não em educação, só pode ter acesso quem tem experiência profissional!
    Enfim...

    ResponderEliminar
  6. Carlos e Submerso:

    Então expliquem-me lá como se consegue experiência profissional na área científica em Portugal fora das universidades e institutos públicos?

    Aliás, se me disserem como arranjar emprego científico ficarei eternamente grata, porque no último ano estive desempregada, sendo que as únicas hipóteses que aparecem para quem tem a minha formação são de Delegado de Informação Médica, o que é óptimo para quem quer ganhar muito dinheiro e tem jeito para vendedor - e é tão parecido com o que estidei como trabalhar na Zara. Acontece que escolhi o meu curso porque gostaria de ficar ligada à ciência.

    Sabem o que é emprego científico em Portugal? É ser bolseiro de qualquer coisa, seja BIC (bolsa de investigação científica com durações entre 6 meses e 1 ano, o que dá imensa estabilidade), mestrado (que agora nem tem bolsa e portanto é feito por conta própria), doutoramento ou pós-doutoramento. Só depois disso se poderá, com muita sorte, ficar efectivo como professor ou investigador.

    Além disso como é que é possível fazer mais alguma coisa (sim, porque ter aulas e fazer a dissertação ao mesmo tempo ainda é muito pouco) quando o horário é laboral e se esperam por vezes 12 a 13 horas de trabalho por dia?

    Posso sempre trabalhar à noite num bar e deixar simplesmente de dormir, uma coisa perfeitamente viável!

    Ai, mas sabem todos tanto e são tão cheios de razão com os seus empregos infinitamente mais sérios e importantes...

    ResponderEliminar
  7. Luna,

    dá uma vista de olhos em http://www.anbioq.org

    Possivelmente é mais um site da tanga para português ver...

    Mas tal como dia a minha avó: "Quem procura acha"

    ResponderEliminar
  8. Eu faço por desporto.
    Mestrado fiz por desporto e doutoramento por desporto estou a fazer.
    Eu nem bolsa tenho. E, se for preciso, irei servir às mesas para pagar a minha investigação. Mas é minha investigação, que eu nada devo à merda deste país. Ele é que me deve a mim.

    P.s.: Senhor Carlos a.a., já agora, diga-me lá que países são esses?

    ResponderEliminar
  9. Ó odiador, agora perguntarás porque é que será que eu não me chateio contigo, não?
    Porque não quero. E não caias na asneira (acção própria dos asnos, ou seja, burros - acertei?) de me queres chatear, porque só me chateia quem eu quero.

    ResponderEliminar
  10. Deves pensar que nos enganavas, não? Sabes que isto da análise textual não é para todos!
    Baixa lá a cauda... e fode o juízo aos outros, que nós já fizemos parte da mesma equipa!

    Eu estou contigo, vamp! Cada vez devo menos à merda do país. Quanto mais na merda me põe, mais que lhes provo o quão persistente na formação consigo ser! Não só estou a preparar o projecto de doutoramento por luxo, como me vou inscrever noutro curso, de outra universidade, por vaidade. E pavoneio-me, sim senhor, com a minha cartilha de habilitações!
    Já agora grito que sou PAVÃO, aos quatro ventos.
    Quero só ver quem é que me impede! Vão é interceptar falcatruas no fisco, javardos!

    ResponderEliminar
  11. Olá Luna! COMO EU TE PERCEBO!!!!!!! O pior é quando a parte mais "arcaica" da família pergunta, depois de um diálogo mais ou menos semelhante ao anterior: "e porque é que não foste para médica?" ou.... "depois disso tudo, é para dares aulas, não?" ou ainda mais delicioso como já me disseram: "tanta fome no mundo e o estado a gastar dinheiro nessas coisas". Eu sei que é suposto não ligarmos nenhuma, e a verdade é que acabamos por nos refugiar no nosso mundo de gente investigadora que noite e dia trabalha para que, sem saberem, as pessoas tenham uma vidinha mais saudável e confortável, e para que este mundinho mesquinha avance aos poucachitos... Mas a verdade é que muitas vezes é uma luta inglória, porque se o povo comum nos acha uns inúteis lunáticos, os nossos possíveis empregadores e patrões (estado) também não nos encara como "seres de extrema necessidade" para a sociedade. Mas a verdade é que qualquer um já deveria saber que teremos que lutar, dia a dia, por um estatuto melhor, por uma qualquer bolsa, pelo desenvolvimento de um projecto, pela divulgação do nosso trabalho, por serviços de assistência técnica, etc etc etc.... Eternamente a lutar, todos os dias a imaginar. São os desafios do nosso trabalho que lhe dão gosto! :) (desculpa, escrevi demasiado, mas mtas vezes caio no erro de pensar que estou sozinha no mundo quando se dirigem a mim com essas conversas, mas não estou! :p somos mtos... e solidários (espero) ).

    ResponderEliminar