24 de fevereiro de 2006

Sobre o post anterior e os comentários que o sucederam

Sou contra a pena de morte. Ponto. Poderia enunciar milhentas razões, todas imbuídas de cariz racional, que no fundo seriam vãs, já que a força motriz desta convicção é puramente pessoal e subjectiva. Prende-se com as minhas mais profundas crenças a nível de ética e civismo, e como em tudo o que emerge do foro íntimo e emotivo, não há argumento que me possa convencer do contrário.
O que não implica que considere as criancinhas inocentes. As crianças são tudo menos inocentes e sabiam bem o que estavam a fazer, ou não teriam voltado segunda e terceira vez para se certificarem do trabalho bem feito, ou tentado esconder o corpo, prova do crime e de culpa. Não! Aos 10 anos qualquer criança está bem ciente do que é bem e mal. A forma como lida com a sua consciência e sentimento de culpa é que difere. Não posso responsabilizar a instituíção e educadores, ou a falta de princípios, condições ou afecto, pois apesar de todas as carências possíveis não creio que alguém lhes tenha ensinado que matar vagabundos travestis e toxicodependentes não faz mal. Até porque nem tudo é fruto da educação, ou assim sendo todos os pobres desgraçados castigados pela vida seriam criminosos enquanto aqueles crescidos em berço de ouro jamais transgrediriam regras de vivência em sociedade.
Culpo a crueldade existente em grande parte das crianças, e que tanta gente se recusa a ver - sim, crueldade, ou não se lembram dos tempos de escola em que invariavelmente algum colega era psicologicamente torturado por ser gordo, caixa d'óculos ou trinca-espinhas? - e as circunstâncias em que se deu o acto. Um grupo pode ser muito perigoso, principalmente se nele existirem elementos particularmente violentos e que incitem os outros. Um grupo é uma massa acéfala que reage a estímulos, reinam os instintos mais primários, e se em fúria torna-se incontrolável.
Nem todos os miúdos do grupo serão agressivos, mas o medo, a ânsia de aceitação e pertença, a confiança, a adrenalina, e o transe da acção em conjunto pode fazer de qualquer um um monstro.
Os miúdos devem ser castigados. Como? Como fôr possível neste país de faz de conta. Pessoalmente, acredito nos benefícios do trabalho cívico em favor da comunidade. Mas trabalho cívico a sério, ajudando quem precisa, durante largos anos, e não uns míseros meses de trabalho fingido que passam a correr. Infelizmente Portugal não tem tradições assentes neste tipo de penas. E é pena. Porque numa cadeia ou casa de correcção, aprende-se a ser ainda pior do que se entrou, e o que se pretende é a reabilitação, e não a condenação eterna à marginalidade.
Infelizmente, não é preciso ser a Maya para adivinhar que no país real o castigo irá ficar por umas idas ao psicólogo, festinhas na cabeça e palmadinhas nas costas para as criancinhas coitadinhas não ficarem traumatizadas, enquanto lentamente o caso cairá esquecimento até que volte a acontecer um crime que choque o país.

8 comentários:

  1. Cara Luna,não podia concordar mais contigo. O assunto da pena de morte que tanto vos assustou está esclarecido no comentário que deixei no post anterior.
    Não, não sou a favor da pena de morte precisamente porque a justiça não é cega e porque errar é humano. Mas fazer justiça é divino e por isso se houvesse forma de avaliar a culpa já pensaria duas vezes no assunto.
    Tal como disse na parte séria do meu post (cabe aqui esclarecer que os meus posts têm sempre uma parte séria e uma irónica) a crueldade infantil está nos manuais e tu também os leste ou conheces.
    O facto é que o pobre desgraçado está morto e há que fazer justiça, independentemente da idade, e prevenir o futuro. Quanto ás soluções e especulações, não sendo este o meu métier, deixo para quem sabe. Ele há por aí tanto expert...

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  2. Também sou contra a pena de morte, e ponto. porque sim, é minha convicção profunda e inabalável.

    Responsabilidade não tem que corresponder necessariamente a punição, há muitas e melhores formas de responsabilizar, nisso estamos também de acordo.

    Não faz mal nenhum a uma criança ser responsabilizada, de forma a interiorizar o mal da sua conduta; assim fomos (ou devíamos) todos educados, com castigos e proibições.

    O problema é a inexistência de soluções. A justiça penal, para menores ou maiores, não é perfeita, longe disso.

    Mas esclareço-te que as penas alternativas à prisão já vão sendo muito aplicadas. O problema do trabalho a favor da comunidade é que, para ser aplicado, necessita do acordo do arguido, o que nem sempre é possível. POde-se substituir a multa por dias de trabalho a favor da comunidade mas, neste caso, tem que ser o arguido a requerê-lo.

    Trata-se de uma visão que vai perdendo actualidade e que já devia ser questionada, a de que obrigar alguém a prestar trabalho equivale a uma forma de escravatura.

    O que me preocupa é que, por falta de meios, o mais provável é que estes menores tenham uma medida de internamento em instituição, só.

    Não há meios de efectivar um acompanhamento psicológico ou social, e isso torna a emenda pior que o soneto.

    Há que responsabilizar, sim, mas isso começa por o sistema ter meios para o fazer de uma frma eficaz e produtiva...

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  3. E ainda...A vítima que ontém era descrito na comunicação social por "sem abrigo" hoje passou a "travesti, sem abrigo e toxicodependente". Por este andar ainda atribuem aos jovens filantropos uma medalha ou uma condecoração. Para lá caminhamos com estas ajudas da imprensa...

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  4. Respondendo...
    Luna, nunca depreendi que fosse a favor da pena de morte através do que escreveu no post anterior. Bolas, até lhe disse que o seu post tinha sido bem conseguido. E olhe que eu não digo isso de todos os post’s. Isso foi depois do Jonhhy Handsome dizer, de forma irónica, que era a favor da pena de morte. (desconhecia que estivesse a fazer ironia, porque a escrita não tem entoação). Espero que os miúdos sejam, mais do que castigados, responsabilizados, i.e, que o sentimento de culpa que você falava por eles tomarem a atitude de tentar esconder o corpo, possa de alguma forma transformar-se num sentimento de responsabilidade e consciencialização pelo que fizeram. Sempre pagando um preço à sociedade. Como dever ser pago? Faço minhas as palavras da Lisa (se ela deixar, claro). Mas que também exista por parte da instituição e da sociedade a necessidade de fazer aquela pergunta que faz hoje a manchete do Público «como foi possível?» Quanto à questão das circunstâncias terem ou não terem responsabilidade, é uma posição que discordo. É lógico que há pessoas bárbaras que tiveram uma educação civilizada (basta lembrar Hitler, não é?) e pessoas desafortunadas que se revelaram urbanas e adiantadas no tempo (penso que aqui podemos lembrar Gandhi). Mas penso que concordará comigo, quando digo que é mais fácil uma criança desprotegida tornar-se criminosa e violenta, do que uma criança que tenha uma infância com valores. É que a criança desprotegida tem mais necessidade de se mostrar, de chamar a atenção, exactamente pela carência de afectos. Logo, é mais vulnerável à integração num qualquer gang que possa a colmatar a necessidade de reconhecimento que todos temos. Ex.: Em Angola, as crianças matam como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Para eles, que nasceram na guerra, é. Numa entrevista no extinto DNA, um membro de uma ONG afirmava o seguinte: «mais do que ensinar a ler ou a escrever, é necessário ensinar-lhes que matar um outro ser humano é uma crueldade e uma babrbaridade terrível. Sem isso, o ensino do bê-á-bá é inútil. Cara Luna, a circunstância também conta.

    Lisa, subscrevo tudo o que disseste, em relação à forma de sancionar as crianças.

    Jonhhy Handsome: desculpa se confundi a tua expressão. Mas como viste por comentários que se seguiram ao teu, há muita gentinha nesta terra que quer implementar de novo a pena de morte. Uma das poucas coisas que me orgulho neste país do faz-de-conta, como lhe chama a Luna, é que tenha sido o primeiro (ou um dos primeiros) a abolir a pena de morte. Nos Estados Unidos, por exemplo, cada vez menos estados a têm, depois de se ter descoberto através de testes de ADN, que muitos executados estavam inocentes. Ou seja, nesses casos de erro, deixamos de ter uma execução, para passar a ter um assassinato por negligência. De resto, estou de acordo contigo, neste último comentário: o que está em causa é um homicídio de um homem. Ponto. Não me interessa se foi de um sem-abrigo ou do Bill Gates. E também já me repugna estar a dizer que o homem era travesti, depois sem-abrigo, depois toxicodependente, depois, depois, depois…Estão a querer colocar a vítima ao nível de uma ratazana. Os factos são estes e são simples: as crianças mataram violentamente um homem.

    E depois deste testamento, convido-vos, aos três, a tomar um homónimo do johnny, o johnny walker, por minha conta, para discutirmos uma coisa que me deixa de rastos: que treta é esta de um gajo estar a trabalhar 5 dias com sol e chega ao fim de semana e é obrigado a apreciar a beleza do clima da Ásia das Monções…Não há direito!!!

    Carlos Malmoro

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  5. Caro Carlos,
    o meu post não foi uma réplica ao seu comentário, mas consistiu no desejo de clarificar a minha posição sobre o assunto, principalmente tendo o Johnny Handsome levantado o tema pena de morte. Só isso. ;)

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  6. P.S. Eu também disse que as circunstâncias contam, mas que não podem ser tomadas como desculpa de forma a desresponsabilizar as acções a quem as pratica.

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  7. Abordei o assunto na aula. Os meus alunos deram-me logo uma explicação para o sucedido.

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