Infelizmente, na sociedade real, aquela em que vivemos e com a qual precisamos de aprender a lidar, o aborto é também uma realidade. Existem muitas gravidezes indesejadas, muitas mães prematuras e sem qualquer preparação, mães sem meios de sustentar condignamente seus filhos, futuros brilhantes ameaçados por um acidente de percurso que não deveria trazer mais consequências que uma leve dor de cabeça na manhã seguinte. Motivos são milhares, opções, muito menos.
A verdade é que o aborto existe e continuará a existir, independentemente de o aceitarmos ou do nome que lhe dermos. Independentemente de concordarmos com as suas razões ou da nossa consciência pessoal. Independentemente de ser legalizado ou considerado crime, continuará a ser feito em condições miseráveis de higiene e assepsia, por carniceiros não qualificados, com técnicas obsoletas e que põe em perigo a vida de quem a ele se sujeita. Continuarão a morrer mulheres a cada 6 minutos esvaindo-se em sangue por entre as pernas, depois de lhes terem desfeito as entranhas sem perceber o que é que correu mal, com úteros perfurados e hemorragias internas, com sacos de pus a envenenarem-nas aos poucos até a infecção ser generalizada e não haver nada a fazer. Independentemente dos movimentos pró-vida e leis de Deus, que só servem à Constança de família tradicional e que vai à missa ao Domingo, prestes a entrar para direito na Católica e destinada a casar de véu e grinalda em branco imaculado com um rapaz de família, e que o malandro do Bernardo quase desgraçou, coitadinha, não fosse a bendita viagem a Espanha a pretexto de umas comprinhas no El Corte Inglés, completamente diferente do de cá, que há sempre casos excepcionais e a Constancinha não merece ver o seu destino manchado, que não é como essas vadias que andam por aí a fornicar a torto e a direito e que “depois de lhe tomarem o gosto nem querem mais nada”*, é abortos todos os dias.
A diferença entre umas e outras é a lei protege apenas quem tem dinheirinho suficiente para passar a fronteira e se instalar comodamente numa clínica especializada sem correr quaisquer perigos. Quanto às outras, podem sempre ser surpreendidas com um 2 em 1 e além do bebé morrer também a mãe. Também são pobres desgraçadas, quem se preocupa?
Falta aos defensores da hipocrisia actual entender que a liberalização não implica generalização, que ninguém é obrigado a fazer abortos se não quiser, apenas dá a hipótese a quem toma essa decisão de fazer em segurança o que o faria de qualquer modo, fosse ou não legal.
Na sociedade real existem putas a dar com um pau, ele é na rua, é em casa, com fachadas de massagistas ou serviços de acompanhantes, é só abrir a página de classificados do jornal que descobrimos que há para todos os gostos e feitios. Existem porque as procuram, e não é pouco, mas claro que nunca é o marido nem o filho de ninguém. Existem muitas que o fazem porque querem, mas a maioria são umas desgraçadas que vivem entre o Técnico e o Casal Ventoso, que levam porrada todos os dias, seropositivas muitas, sem outra opção para sustentarem o vício e que não têm qualquer apoio nem assistência sanitária.
Mas neste país tão moralista o melhor é elas andarem aí na rua, as desavergonhadas, que em casas próprias com um mínimo de condições de higiene e conforto, com fiscalização e assistência social e médica, a espalhar doenças venéreas que é bem feito para quem as apanhar, não lhes fosse ao pito. Mais uma vez todos sabemos que a prostituição nunca deixará de existir, mas fechando os olhos pode sempre fingir-se que não se vê nada, que o que é feio o melhor é não ver.
Na sociedade real existem criminosos, pessoas que se matam umas às outras, violadores, pedófilos, até gente com ganas de comer órgãos humanos por qualquer prazer insondável ditado por impulsos inconscientes, gente capaz das maiores atrocidades e que por isso deve ser afastada da sociedade que põe em perigo com os seus actos e pulsões. Daí a necessidade de prisões, que servem para garantir a segurança da sociedade e cuja função deveria ser a de reabilitar e reintegrar, mas que na realidade são verdadeiras universidades do crime e uma vez lá dentro, dificilmente se escapará à marginalidade para o resto da vida.
Na sociedade real existe racismo e preconceito, muitas vezes encapuçado mas que se descobre facilmente quando o filho resolve namorar uma preta, ai que desgosto que me havia de calhar, raio do rapaz não sabia escolher melhor. Na sociedade real existem muitos problemas, uns mais visíveis que outros, que poderia continuar a enumerar até não ter mais mãos para escrever e sofrer de de Alzheimer devido a idade avançada.
Nunca quis escrever este texto, que pensei estar implícito nas entrelinhas do anterior, não me apetecia, não gosto dele, mas acabei por não ter alternativa, visto ter suscitado tantas dúvidas sobre a minha capacidade de ver a realidade como ela é, ter sido acusada de incoerência e outras secas. Quanto a mais explicações, por favor poupem-me, que não tenho tempo.
* Eu ouvi esta frase, é também ela real. Proferida pelo Sr. Real, instrutor de condução. Triste, não?
A verdade é que o aborto existe e continuará a existir, independentemente de o aceitarmos ou do nome que lhe dermos. Independentemente de concordarmos com as suas razões ou da nossa consciência pessoal. Independentemente de ser legalizado ou considerado crime, continuará a ser feito em condições miseráveis de higiene e assepsia, por carniceiros não qualificados, com técnicas obsoletas e que põe em perigo a vida de quem a ele se sujeita. Continuarão a morrer mulheres a cada 6 minutos esvaindo-se em sangue por entre as pernas, depois de lhes terem desfeito as entranhas sem perceber o que é que correu mal, com úteros perfurados e hemorragias internas, com sacos de pus a envenenarem-nas aos poucos até a infecção ser generalizada e não haver nada a fazer. Independentemente dos movimentos pró-vida e leis de Deus, que só servem à Constança de família tradicional e que vai à missa ao Domingo, prestes a entrar para direito na Católica e destinada a casar de véu e grinalda em branco imaculado com um rapaz de família, e que o malandro do Bernardo quase desgraçou, coitadinha, não fosse a bendita viagem a Espanha a pretexto de umas comprinhas no El Corte Inglés, completamente diferente do de cá, que há sempre casos excepcionais e a Constancinha não merece ver o seu destino manchado, que não é como essas vadias que andam por aí a fornicar a torto e a direito e que “depois de lhe tomarem o gosto nem querem mais nada”*, é abortos todos os dias.
A diferença entre umas e outras é a lei protege apenas quem tem dinheirinho suficiente para passar a fronteira e se instalar comodamente numa clínica especializada sem correr quaisquer perigos. Quanto às outras, podem sempre ser surpreendidas com um 2 em 1 e além do bebé morrer também a mãe. Também são pobres desgraçadas, quem se preocupa?
Falta aos defensores da hipocrisia actual entender que a liberalização não implica generalização, que ninguém é obrigado a fazer abortos se não quiser, apenas dá a hipótese a quem toma essa decisão de fazer em segurança o que o faria de qualquer modo, fosse ou não legal.
Na sociedade real existem putas a dar com um pau, ele é na rua, é em casa, com fachadas de massagistas ou serviços de acompanhantes, é só abrir a página de classificados do jornal que descobrimos que há para todos os gostos e feitios. Existem porque as procuram, e não é pouco, mas claro que nunca é o marido nem o filho de ninguém. Existem muitas que o fazem porque querem, mas a maioria são umas desgraçadas que vivem entre o Técnico e o Casal Ventoso, que levam porrada todos os dias, seropositivas muitas, sem outra opção para sustentarem o vício e que não têm qualquer apoio nem assistência sanitária.
Mas neste país tão moralista o melhor é elas andarem aí na rua, as desavergonhadas, que em casas próprias com um mínimo de condições de higiene e conforto, com fiscalização e assistência social e médica, a espalhar doenças venéreas que é bem feito para quem as apanhar, não lhes fosse ao pito. Mais uma vez todos sabemos que a prostituição nunca deixará de existir, mas fechando os olhos pode sempre fingir-se que não se vê nada, que o que é feio o melhor é não ver.
Na sociedade real existem criminosos, pessoas que se matam umas às outras, violadores, pedófilos, até gente com ganas de comer órgãos humanos por qualquer prazer insondável ditado por impulsos inconscientes, gente capaz das maiores atrocidades e que por isso deve ser afastada da sociedade que põe em perigo com os seus actos e pulsões. Daí a necessidade de prisões, que servem para garantir a segurança da sociedade e cuja função deveria ser a de reabilitar e reintegrar, mas que na realidade são verdadeiras universidades do crime e uma vez lá dentro, dificilmente se escapará à marginalidade para o resto da vida.
Na sociedade real existe racismo e preconceito, muitas vezes encapuçado mas que se descobre facilmente quando o filho resolve namorar uma preta, ai que desgosto que me havia de calhar, raio do rapaz não sabia escolher melhor. Na sociedade real existem muitos problemas, uns mais visíveis que outros, que poderia continuar a enumerar até não ter mais mãos para escrever e sofrer de de Alzheimer devido a idade avançada.
Nunca quis escrever este texto, que pensei estar implícito nas entrelinhas do anterior, não me apetecia, não gosto dele, mas acabei por não ter alternativa, visto ter suscitado tantas dúvidas sobre a minha capacidade de ver a realidade como ela é, ter sido acusada de incoerência e outras secas. Quanto a mais explicações, por favor poupem-me, que não tenho tempo.
* Eu ouvi esta frase, é também ela real. Proferida pelo Sr. Real, instrutor de condução. Triste, não?
... não gosto dele,...
ResponderEliminar(só quem continua a imaginar um conto de fadas é que pode gostar dele)
...Quanto a mais explicações, por favor poupem-me, que não tenho tempo....
(só não deixes de ter tempo para continuar sensivel - assim, poderá ser que mais alguém cresça)
Muito obrigada!
Jinhos ;*
Querida, carregas o fardo de blog-super-interessante-alvo-de-todos-e-mais-alguns-comentários-porque-és-tão-directa-que-quando-não-és-ninguém-te-lê-as-entrelinhas. Pois li os dois, concordo com a e discordo com b. Mas sabes uma coisa: nunca li de qualquer intelectualóide impertinente descrição tão clara - e fria - de um aborto "selvagem". És mesmo cientista? É que um texto desses sobre os malefícios do tabaco era remédio santo para deixar de fumar!!! Quais "peça ajuda ao seu farmacêutico": "leia o texto da Luna". LOLOLOLOLOLOL. Mais uma vez, bons textos: parabéns! Beijinhos ao Sushi.
ResponderEliminarPor favor, Jerusa, acho que fui bastante explícita neste!
ResponderEliminarMnica: ;)
Insueto, se há coisa que me tira do sério é o assunto aborto. Assim por escrito ainda me consigo controlar, mas ao vivo temo cortar relações com amigos em discussões sobre o tema, porque me passo mesmo. Quanto a ser cientista, ainda não mo posso considerar, mas talvez com o tempo possa chegar a ser chamada assim.
Quanto a fumar, pois eu sofro desse mal e portanto prefiro esquecer todas as descrições horríveis associadas ao vício e pensar que o meu avozinho que viveu até aos 98 fumou 2 maços por dia até aos 70. ;)
Obrigado.
ResponderEliminarPalmas de pé, bravo. Brilhante texto.
ResponderEliminarSó tenho uma coisinha a acrescentar, em forma de tópico: a total ausência (hoje, século XXI) de educação sexual nas escolas, e de um programa de saúde na área da contracepção. Coisas que falta fazer, e talvez se diminuísse a necessidade de recurso ao aborto, e o número quase absurdo de pílulas do dia seguinte vendidas neste país.
Só não vê quem não quer.
Se foram crescidas o suficiente para "fazer" um bébe, também são crescidas o suficiente para o terem!
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