21 de março de 2006

Para não deixar passar o Dia Mundial da Poesia

Construção

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo por tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou prá descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
E agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo por tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou prá descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
E agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o públlico

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Tijolo por tijolo num desenho mágico
Sentou prá descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado

Chico Buarque

8 comentários:

  1. Ainda não tive a oportunidade de te expressar o gosto que tive em conhecer-te. Só foi pena eu estar a correr porque teria tido oportunidade de te dizer mais vinte e cinco vezes como aprecio o Horas Perdidas. Apesar de já o saberes.
    Beijinho para ti

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  2. Obrigada "a sério"! Beijinhos

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  3. Um post como a vida: em construção! Mas este post como muita poesia, como o deveria ser a vida.
    Beijos

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  4. mas, há sempre um mas, o albúm com o mesmo nome, esteve proibido de ser vendido no Brasil durante alguns anos, exactmente por causa deste poema do Chico.

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  5. ai como eu adoro esta canção e a melancolia da voz do senhor Chico Buarque. Perfeita para um dia de chuva. bjs Luninha

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  6. Conhecia a cancao e agora fiquei a saber toda a letra. Isto sim, 'e poesia!

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  7. Maravilhoso. Um dos poemas mais bonitos que conheço. Uma excelente escolha. O Chico é um génio. E giro, ainda por cima. Beijinhos, Luna!

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