Enquanto as lágrimas me corriam cara abaixo e ia emborcando tragos de whisky para entorpecer enquanto via na "A cor púrpura" a cena em que Sofia é presa, pensava em como há feridas que não saram, humilhações que não se esquecem, ódios que não passam. E como, cegamente, teimamos em não ver. Em atribuír o que se passa no mundo a maldades sem nexo, sem nos preocuparmos com as razões que as levam a existir. Os pretos não esquecem, os judeus não esquecem, os palestinianos não esquecem. Nem as gentes massacradas no Sudão, os famintos na Etiópia, os mutilados pelas minas em Angola.
Perdoem-me o discurso "extrema esquerda", não sou entendida na matéria, os meus conhecimentos de história e ciência política ficam muito aquém do que gostaria, mas tento compreender o desespero e as razões que levam à loucura e carnificina que se vive no médio oriente. É o desespero, a humilhação acumulada durante anos, as prepotências aceites pelas partes mais fracas, o não ter nada a perder.
Só quem sente não ter nada a perder se explode por um ideal ou um Deus que acredita ser a solução. Só com muito sofrimento, muito rancor, muita raiva acumulada se embarca na pequena revolução de uma resistência minoritária.
O terrorismo não acabará enquanto se ignorarem as razões que o incitam. Por mais que se desmantelem redes conspirativas, se desarmem bombas, se abatam núcleos armados em casas civis cheias de crianças à força de as mandarem abaixo, esta guerra não terá fim enquanto não se tratarem as feridas, enquanto não se eliminarem as razões para o ódio.
E assim caminhamos nós, cegos às queixas das outras partes, solidários com as nossas, traçando linhas de fronteira entre amigos e inimigos distribuídos entre direita e esquerda, sem querer ver, sem querer aceitar que enquanto houver um resistente, enquanto houver um descontente, as bombas humanas continuarão a explodir.
E o pior é que todos têm razão. A sua.
A vida não é justa, eu sei, mas eu gostava que fosse. Perdoem-me a ingenuidade.
Em vez de se entreterem a fazer e lançar mísseis, continuavam a correr atrás das cabras como até então.
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