21 de março de 2011

Fazer doutoramento (ou de como nos sentirmos estúpidos 90% do tempo)




Ouvi muitas vezes doutorados dizerem que, caso voltassem atrás para o repetir, o fariam em metade do tempo. Acho que nunca o percebi até agora, quando dois anos e meio passados, atinjo finalmente objectivos propostos para o primeiro ano. O que acontece é que, quando se começa a trabalhar com algo completamente novo, do zero, sem ter ninguém que nos diga como se faz, sem contar com mais que sugestões, de início não fazemos a mínima ideia de como conseguir aquilo a que nos propomos. E começa todo um processo de tentativa e erro, em que vamos aprendendo principalmente com os erros, mais do que com os sucessos, que são poucos, ou quase nenhuns. Ao longo do tempo, e depois de muitas tentativas falhadas, vamos começando a perceber cada vez melhor aquilo com que trabalhamos, ganhando visão de como conseguir realizar os novos passos, baseando-nos nos falhanços anteriores, e na experiência entretanto obtida. Não sabemos ainda como fazer, mas como não fazer. No meu caso, o objectivo mais básico, aquele que deveria ter sido atingido passados menos de seis meses, mostrou-se difícil de alcançar. Aquilo que era tão básico e conhecido com outra molécula, tão estudada, tão conhecida, tão fácil de manipular, com esta mostrava-se impossível de reproduzir. Repetir, repetir, repetir, tentar mudar todas as variáveis, até conseguir um resultado positivo. Demorou dois anos.
O atraso deixava-me abatida, desmotivada. Sem conseguir o objectivo número um, como prosseguir? Se tinha levado 2 anos para consegui-lo, quanto tempo mais demoraria cada passo seguinte? Mas agora entendo. O que aprendi nestes 2 anos fez-me saber o que resulta, e o que não. E, depois disso, os passos imediatamente posteriores têm resultado à primeira, quase ao ponto de não conseguir acreditar. Tanto tempo para conseguir aquilo, e agora o resto parece tão fácil, tão óbvio, tão irreal. Todos os meus falhanços anteriores contribuem para que saiba por onde começar a cada novo desafio, já não começando do zero,  nem  perder tempo com coisas que já sei que não dão certo. E confirmá-lo, de facto, ao verificar que as sugestões teóricas de pessoas com muito mais anos de experiência do que eu na área não resultam no meu caso particular, faz-me perceber que do meu assunto sei eu, mais que ninguém. E de repente ando a mil à hora, a fazer várias coisas diferentes ao mesmo tempo, que surpreendentemente têm resultado, e que em três semanas me deram mais resultados do que tive em dois anos. 
E percebo finalmente a afirmação inicial. Sim, realmente, se eu soubesse o que sei agora, teria demorado dois meses a conseguir o que consegui em dois anos. Mas é isso que fazer doutoramento significa: no final, ninguém saberá tanto desta merda como nós. Porque não tentaram e falharam mil vezes, até acertar uma.

11 comentários:

  1. "Tentar e falhar mil vezes, até acertar uma". Será que com o amor também será assim?

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  2. Se amanhã fizesse o que fiz hoje, fazia em metade do tempo, porque não tinha de estar ali a matar neurónios a pensar no assunto e já sabia a solução. Ou, ao menos, o caminho. Mas sem este processo de "pensadura" não chegava ao resultado. É isto mesmo, seja em letras seja em ciências, e não vale a pena chorar o leite derramado, para a próxima já não partimos a vasilha ;)

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  3. é exactamente isso que digo aos meus alunos quando vêem que passou um ano ou mais e ainda não têm resultados. E a frase que no fim do doutoramento ninguém sabe mais sobre o tema do que o próprio é a maior das verdades.

    Bjs e continuação de bom trabalho

    PS: Aquela história da água, até parece que estás em Portugal e não na Holanda

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  4. Na verdade está-se à espera da sorte... o que parece muito pouco cientifico para um doutoramento desta área. E depois de 2 anos dedicados a estudar à exaustão uma molécula, afinal para que serviu tanto trabalho? Publicaram-se um ou dois artigos, mas depois vai-se continuar a trabalhar nessa área, nessa molécula? Foi por estas interrrogações que eu fugi do laboratório e me dediquei ao terreno... a aplicar o que já passou pelo crivo!

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  5. oh yeah...tinha feito um bonito plano de trabalhos com reviews e "esboços" do modelo ao fim de 12 meses...já passaram uns 20 meses ainda o esboço está a ser esboçado. os traços iniciais...
    e a parte do estar sozinho o inicio e andar a "apanhar chapéus"... é um choque... um autentico estado de choque. e demora a passar...

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  6. Ok, cada vez tenho menos vontade de prosseguir estudos até essa fase... ME-DO!

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  7. Obrigado. Estava a precisar de ler isto.

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  8. Sim.. e isto serve para tudo. Há que errar, falhar, vezes sem conta, para aprendermos com os erros e, só assim, conseguirmos algo novo.

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  9. como entendo isso... partilho esse sentimento!

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  10. Eu também estava a precisar de ler isto :)

    Excelente texto!

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  11. Nao sabes o bem que me fez ler isto, apos tres meses a travar uma batalha com o cloning! Thanks a lot! E boa sorte com tudo! ^^

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