23 de abril de 2012

Tiro ao lado

Hoje recebi um email de propaganda de uma empresa de criopreservação estaminal, fundada e constituída por pessoas que até conheço, razão pela qual provavelmente têm acesso ao meu email, começando da seguinte forma:

Cara Mãe Luna

ora bem, eu sei que é marketing, eu sei que eles nem sabem que sou contra os bancos privados e completamente pró bancos públicos, por todas as razões e mais algumas, inclusive meramente científicas*, mas começar os mails tratando as pessoas por Mãe, com letra maiúscula e tudo, quando não sabem se o são, querem ou podem ser, é um big no-no. A reacção para a maioria de quem recebe, e que não é nem mãe nem em vias disso, é de pura irritação, especialmente pela assumpção de que sendo mulher essa será uma condição óbvia à sua condição. Sem falar no "mas é obrigatório, carago?", este tipo de abordagem a pessoas anónimas que não se registaram no site tem o efeito oposto, seja por meramente assumirem uma pessoa como mãe meramente por ser do sexo feminino, por não considerarem a possibilidade agravante de poder ser especialmente doloroso para quem tenta infrutiferamente ter filhos sem conseguir, sem precisar destes emails comerciais a cutucarem mais fundo a ferida.

*subscrevo na totalidade tudo o que é dito aqui e aqui sobre o assunto

16 comentários:

  1. Aqui há uns meses, abordaram-me na rua a pedir uma ajuda para a associação de mães com SIDA mas a primeira coisa que me disseram foi "A menina já é mãe?".
    Fiquei logo piurça, já nem ouvi bem o resto da conversa.

    ResponderEliminar
  2. Certíssimo! Só os bancos públicos fazem sentido! Ofereci a criopreservação das células do cordão ao meu sobrinho mais velho na Crioestaminal como "presente de nascimento". Ainda o banco público era uma miragem. Na altura, como médica achava uma estupidez, mas como tia achava que se ele viesse a ter uma aplasia medular nunca me perdoaria...

    Agora outra coisa muito diferente foi quando apareceu o Lusocord. A minha irmã a princípio negou, esperneou, mas por fim aceitou que não fazia sentido um banco "autista, economicista e individualista" e lá aceitou doar gratuitamente "para o banco comum" o precioso sangue.

    Obrigada por escreveres sobre isso!

    (um) beijo de mulata

    ResponderEliminar
  3. "Mãe" é uma condição próxima da santidade. Usar assim é golpe baixo, funciona. Então hoje em dia...

    ResponderEliminar
  4. É uma observação pertinente.
    Por acaso nunca me deparei com este tema em abordagem directa ou por email, mas a verdade é que me incomoda a redução da mulher ao papel primordial, único capaz de a realizar, que é ser mãe.

    Esse email morre na 1a linha. E, acaso sobrevivesse, morreria nos argumentos contra este tipo de serviço privado.

    ResponderEliminar
  5. Beijo de Mulata:

    isto continua a ser a questâo: "ah, mas se puser no banco publico outras pessoas podem usufruir, e depois nao sobra para o meu filho se precisar!"

    a maioria das doenças que podem aparecer nos primeiros anos de vida - e neste momento a conservação só dá para os primeiros anos de vida porque a tecnologia da sua expansão ainda não está suficientemente desenvolvida - são genéticas, e para essas, as células estaminais do próprio servem de pouco, porque conterão em si a anomalia genética.
    Um banco público é mais benéfico porque poderá conter soluções para quem precise de células sem defeitos genéticos, e ao mesmo tempo se cria um banco, depósito, disponível para todos, como os bancos de sangue, conforme a necessidade.
    A grande maioria das pessoas nunca precisará das células estaminais, que poderão salvar outro alguém, e a probabilidade de se precisar das próprias e elas terem sido utilizadas por outros é ainda menor.

    ResponderEliminar
  6. Exacto, foi esse o argumento da minha irmã. E os argumentos que lhe dei foram precisamente os que deste... Só espero que o Lusocord, o nosso banco público, de que eu sou uma entusiasta e falo sempre dele nas consultas pré-natais, continue a existir!

    (um) beijo de mulata

    ResponderEliminar
  7. O que me choca mais é que no site da Lusocord estão lá expostas, tim-tim por tim-tim, as doenças que impedem a doação. Vamos aos sites das empresas privadas e essa informação não consta. Poupava-se tempo e dinheiro, além de não se gorarem as expetativas dos futuros pais.

    ResponderEliminar
  8. As nossas conversas andarão sob escuta?

    ResponderEliminar
  9. beijo de mulata: vamos esperar que a lusocord nao acabe, que tem andado ameaçada.

    sãozinha: pois, em empresas que querem lucro nao convém espalhar as doenças genéticas impeditivas, né?

    pólo darling: parece que sim, que nos ouvem. :)

    ResponderEliminar
  10. Post muito pertinente sem dúvida. Se me aparecesse um email desses era bem capaz de responder com maus modos ;) por todas essas razões que apontaste. Quanto aos outros posts que destacaste, junto-me a ti na subscrição. Não percebo porque é que a psoriase é impeditiva de doar as células do cordão umbilical. Acho que vou ao site do Lusocord tentar descobrir.

    ResponderEliminar
  11. Recebi um cartão da sephora, dirigido à mulher que é mãe de dia e mulher fatal de noite. Lixo. Promoção de estereotipos e neo-escravatura sob capa de glamour é onde pertence.

    ResponderEliminar
  12. Sobre o tipo de abordagem à 'Mãe Luna', tal como comentei na Paracuca, é do género do que me aconteceu. A criopreservação não foi feita com sucesso e andei meses a receber convites da Lusocord para uma cerimónia de entrega de diplomas a bebés dadores...
    Foi até me passar e escrever-lhes a explicar o quanto a situação me incomodava.

    ResponderEliminar
  13. Bem, eu tenho essa cena numa empresa qualquer, toca a retirar o sangue do cordão umbilical quando nasceu a pequena. E mandam-me mails cada 3 meses e começam sempre com um "mãe".

    Acho lindo, como se fosse preciso recordar-me que sou mãe ou que faço parte do clube exclusivo. É como se fosse necessário começar as cartas ou apresentações com um "olá, esta é a mulher Luna, mulher Rita, etc".

    Para quê o precioso "sufixo"??

    ResponderEliminar
  14. Tiro ao lado? Em cheio, queres tu dizer. No pé. Tal qual o neto do rei de espanha. ;)

    ResponderEliminar
  15. O que é injusto é que as pessoas que pagam para guardar as células no banco privado, nunca darão as suas a outros que precisem, mas podem usar as do banco público. Um amigo meu, usou um banco privado para colocar as células dos dois filhos. Perguntei lhe porque não tinha considerado a Lusocord e ele respondeu que primeiro estava só a tratar dos interesses dos seus e depois que podia usar as do banco publico caso a dos filhos não chegasse. Mas ele também tocou num ponto importante: diz que não confia, dadas as condições actuais (políticas) que o banco não seja posto em causa num futuro próximo porque enfim, custa dinheiro e que todas aquelas doações vão para o galheiro.

    ResponderEliminar
  16. Desculpa, Luna, mas Ahahahahaha!

    ResponderEliminar