19 de junho de 2010

"Somos contadores de histórias"

Ontem ouvi com prazer Salman Rushdie falar de liberdade, e de livros, durante uma hora.

Contou que aquando da polémica com "Os versículos satânicos", a certa altura viu uma entrevista com um dos activistas que andavam a queimar os seus livros em Bradford, onde lhe era perguntado se tinha lido o livro. Respondeu que não, mas que não precisava de andar num esgoto para saber que cheira mal. O jornalista continuou então, perguntando se já tinha lido alguma coisa do autor, que já tinha escrito mais livros, artigos de jornal, etc. E o entrevistado, encolhendo os ombros, respondeu "books are not my thing".

E perante algumas enormidades que tenho lido por aí sobre Saramago, penso em Rushdie, e neste encolher de ombros. Contra a ignorância, não há nada a fazer.

Somos, enquanto espécie, contadores de histórias, e Saramago fazia-o de forma magistral. Mas para o saber é preciso tê-lo lido.

25 comentários:

  1. Ignorância, inveja, a pequenez dos portugueses. Diz-me um amigo que nunca conseguiu ler um livro do Saramago, retirando daí, implicitamente a conclusão que não deve ser grande coisa. Também nunca consegui ler Joyce. Mas o problema é, decerto, meu.

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  2. como é possível dizer que um autor é "grande" ou que não presta para nada se nunca leram nada dele? e mesmo lendo um dos livros ou artigos, não me parece suficiente. É preciso ler mais, para se ter uma opinião válida.

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  3. Ouvi, e li, criticas ao Saramago mas a maioria delas não foi pela sua escrita e sim pela sua maneira de se impor na vida. Podemos gostar da maneira como escreve e do que escreve mas não somos obrigados a gostar da maneira como se comportou. Uma coisa não impede a outra.
    Reservo-me o direito de não gostar de atitudes públicas dele, só posso falar dessas, e de, por isso, não me apetecer lê-lo.
    Mas têm que concordar que dar um enterro com honras de estado a uma pessoa que há vinte anos renegou o seu próprio país, é demais. E tenho, quase a certeza de que, se fosse coerente, ele próprio não o quereria.

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  4. Ora nem mais, muitos que falam de saramago nunca o leram...e ficam-se com a opinião que vão tendo sobre a sua personalidade e forma de estar na vida e pelas suas opiniões controversas!

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  5. Diana

    talvez devesses ler mais sobre as razões porque "renegou o seu próprio país", porque creio que poucas pessoas na sua posição agiriam de forma diferente.

    Quanto às honras, são merecidas, pois é um nome que dignifica e enriquece a literatura portuguesa, ao lado dos outros grandes. Mas isto não poderás saber, porque não o leste.

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  6. Também me tem feito confusão ler algumas coisas que se escreveram sobre a morte dele. Já li que não vai fazer falta nenhuma, já li que não sabia escrever... Um sem fim de barbaridades que não consigo compreender.
    Eu gostava do homem e do escritor, nem toda a gente tem que gostar, mas acho que todos devem reconhecer o seu valor, que é inegável.
    Também já vi muita gente dizer que ele renegou Portugal, quando, na minha opinião, Portugal é que renegou o génio de Saramago.

    Outra coisa que demonstra a pequenez de algumas pessoas é que, hoje, a capa do Correio da Manhã, que é (bem ou mal) o jornal mais lido do país, faz apenas uma pequena referência à morte de Saramago, para dizer que é o estado que paga o avião que foi buscar o seu corpo. Muito sinceramente, fiquei chocada com isto. Como é que alguém vai pegar numa coisa tão mesquinha quando morreu a figura maior da literatura portuguesa?!

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  7. Salman é outro que é grande. Os Versículos e o Evangelho estão a par e par como os meus livros favoritos.

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  8. As polémicas:

    http://www.publico.pt/Cultura/cronologia-as-polemicas-de-jose-saramago_1442502

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  9. "porque creio que poucas pessoas na sua posição agiriam de forma diferente."

    Eu sei que não agiria. Levava aquele sub-secretariozinho de treta do Sousa Lara a tribunal e havia de fazer com que ele passasse o resto da vida a gastar dinheiro em advogados. E eu não sei se percebi mal ou não, mas ontem na RTP pareceu-me ouvir o Sousa Lara dizer que se o Caim lhe passasse pelas mãos faria o mesmo que fez ao Evangelho...eu sinceramente espero ter percebido mal, porque acho que isso seria ridículo de mais da parte dele.

    Somando ao que a Mi disse (comportamento completamente abjecto), acho que não posso deixar de apontar a hipocrisia do Cavaco que permitiu que um seu subalterno (o Sousa Lara) ridicularizasse Portugal em frente do mundo todo (sim, porque essa situação do Saramago foi falada por todo o Mundo), quando até o Santana Lopes (que era Secretário de Estado da Cultura) tinha dito que por ele o Sousa Lara devia sair do Governo, depois disso nunca teve coragem de lhe pedir desculpa publicamente (teve que ser o Durão Barroso a faze-lo em 2004 em nome do PSD) e agora fez um comunicado ao país e à família todo sentido. Enfim.

    Quanto ao Saramago, vai ser desta que compro o único romance dele que me falta ler: «A História do Cerco de Lisboa». E acho que chega também a altura de voltar a ler o meu livro favorito de todos (não só dele, mas mesmo de todos os que já li): «O Ano da Morte de Ricardo Reis».
    Bem que podia ter durado mais uns anos o homem! :(

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  10. E já agora fica aqui uma das minhas frases preferidas dele (duma entrevista):

    «A ignorância tem alguma inconveniência. Quando se junta à estupidez, não há remédio. »

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  11. Não desmereço o escritor por não gostar do homem. Só queres ver e ler o que te convém. Tá certo, o blog é teu.
    T

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  12. E o que é que me convém, pode-se saber?

    É que eu, pelo menos, falo de livros. Bons livros.

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  13. "Reservo-me o direito de não gostar de atitudes públicas dele, só posso falar dessas, e de, por isso, não me apetecer lê-lo."

    Ou seja, não o leu, pelo que em termos literários, não o conhece.


    "Mas têm que concordar que dar um enterro com honras de estado a uma pessoa que há vinte anos renegou o seu próprio país, é demais."

    Revela ignorância relativamente aos acontecimentos que o levaram a abandonar o país - que é diferente de renegá-lo.

    De resto, enfim, não conhecendo a sua obra, é difícil julgar o seu valor enquanto embaixador da língua portuguesa, e reconhecer o seu valor - pelo que nem sequer está habilitada a julgar se é ou não merecedor dessas honras.

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  14. E eu li todos!Não gostei de alguns de que toda a gente gosta como o "Memorial do covento", ou "Todos os Nomes".
    Adorei o "Ensaio sobre a Cegueira" muito antes de se converter num filme. Mas o meu preferido é sen dúvida "A caverna". Logo a seguir "Caim".

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  15. À parte a polémica sobre Saramago (na qual concordo com a Luna) ontem estive horas a ler sobre Rushdie, histórias que ele conta, histórias de falta de libertdade de expressão, histórias de Ian McEwan sobre ele e a amizade entre eles. Cada vez gosto mais do homem.

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  16. Luna, aqui na ignorancia que me cerca, jamais supus que Saramago não fosse querido por TODOS os portugueses. Com certeza é querido pela unanimidade dos brasileiros que o leu. Incrível como falam barbaridades. O encarte do jornal El país (espanhol) fez justa homenagem e ontem os brasileiros choraram sua morte. Saramago sempre me pareceu um grande homem. Corajoso, honesto, generoso ( porque dividir seus pensamentos incríveis com o resto da humanidade é um ato de grande generosidade), alem de lançar um novo olhar - um olhar libertador sobre a Igreja que poucos conseguiram.
    Surpresa e penalizada por aqueles que não alcançaram sua genialidade.
    PS>: o mundo inteiro já reconheceu. Que bobagem é essa desses portugueses?

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  17. Luna: falam em outros blogs do passado de Saramago, condenando-o como censor e como amante das ditaduras. Bom é claro que não acho que seja "um santo", mas acho difícil acreditar que a história seja tal contam, tendo ele escrito obras que instigam justamente o contrário. Sei que era comunista e que defendeu Cuba até há poucos anos - mas daí a ser um déspota, deve haver algum equívoco. Suas obras são o contrário: quem leu A caverna, ou o Evangelho sabe disso. Verdadeiramente não compreendo. Talvez vocês possam me esclarecer.

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  18. No link que deixei em cima estão as polémicas e as principais razões dos ódios que despertou, da maior parte das vezes entre pessoas que não leram os seus livros.

    Nem todos os seus actos são louváveis, mas creio que compreensíveis à luz do contexto histórico-político. O pior sendo o saneamento dos jornalistas que não estavam do lado da revolução quando foi director do diário de notícias.

    O facto de ser comunista e as suas declarações polémicas relativamente à igreja e religião, são no entanto a maior causa das antipatias.

    Mas como li recentemente:

    "Fez muitas coisas erradas e algumas altamente condenáveis, mas um país constrói-se inspirando-se nas forças dos seus melhores, não nas suas fraquezas."

    http://jugular.blogs.sapo.pt/

    Mais informação sobre o escritor e o homem, aqui:

    http://www.publico.pt/

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  19. http://esquerda-republicana.blogspot.com/2010/06/o-fator-deus.html

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  20. Com Saramago, como com todos os criadores, coloca-se em primeiro lugar a eventual disponibilidade do "público" para aceitar essa criação - há autores que fazem imenso sucesso e são considerados grandes referências na altura da publicação das suas obras e, que anos depois, "ninguém" recorda, precisamente porque essa disponibilidade, a essas expressões deixou de existir.
    Acho que um escritor como Saramago (e é disso que falo aqui, não das suas atitudes extra-escrita) é exigente com o seu público. Não basta estarmos dispostos a ser entretidos durante umas horas. Temos de aceitar a proposta da subversão dos processos de escrita, dos temas que desafiam as nossas crenças, aceitar a nossa capacidade de nos espantarmos. Havendo esta disponibilidade poderemos gostar ou não. Podemos deslumbrar-nos, apaixonar-nos, sentir que o nosso mundo ficou diferente após aquela leitura. E podemos não gostar, claro. Achar que não nos idenficamos minimamente com o universo, a linguagem, que os recursos escolhidos não nos agradam, etc. Ambas as atitudes são obviamente legítimas. Mas, para dizermos se apreciamos ou não, temos que nos dispor a ser seduzidos. Depois, e só depois, poderemos opinar com justeza.

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  21. Durante toda a sua vida, Saramago foi verbalmente apedrejado. Nunca passava indiferente. Cada frase que dizia, tinha sempre um peso enorme, e não creio que tenha a ver com o facto de ser um Nobel, mas porque era um homem inteligentissimo, e que apesar de não ter curso superior tinha uma sabedoria enorme.
    Pensei que com a sua morte, certas mentiras caíssem em desuso, como costuma ser habito quando alguém morre, mas pelos vistos não foi o que aconteceu.
    Continuam a chamar-lhe anti-patriota, blasfemo, pouco emotivo, tendo uma escrita de difícil leitura, etc.
    Nada é verdade. Emigrou porque trataram-lhe mal na sua própria casa; era apenas um ateu convicto; chorou defronte de câmaras; e a leitura só é complicada, para quem não se esforça para compreender.
    Abraço

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  22. Concordo com o que escreveste. Para poder dizer que não gosto de um escritor tenho de o ler. Li um livro de Saramago e tentei ler mais dois. Do livro que li não gostei, dos que tentei ler não consegui chegar a meio. Posso afirmar com convicção que não gosto da sua escrita mas este "circo blogoesférico (ou lá como se diz)" agonia-me. Haja respeito pelo Senhor.

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  23. mas quais sao os blogs que andam a dizer mal dele? gostava de saber... nem que fosse para os ir desancar em casa própria.

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  24. tás a ver Luna, o teu problema, para além de imitares os outros, é achares que tens autoridade para dizer a quem quer que seja: não estás à altura de julgá-lo/a.

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  25. Ó Isa, minha cara, lá porque se sente inferior porque não leu, embora os tenha na estante e só custem 10 euros - ó mentalidadezinha mais tacanha e pequenina - depois ainda vem dizer aqui estas coisas.

    (post cretino este: http://ecaequeeessa.blogspot.com/2010/06/fala-serio.html)

    Sim, Isa, sim. Obrigada pelo momento de humor.

    Mas já agora diga lá onde é que "imito os outros" - estará a falar de citações? - e porque é que estarei errada quando digo que quem nunca o leu não estará à altura de o julgar.

    É que me parece óbvio porquê. Tirando aos eternos encolhedores de ombros, que fazem e dizem coisas só porque sim.

    Mas obrigada por este momento de humor.

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