2 de junho de 2014

#YesAllWomen

Quando tinha 14 anos e pesava aí uns quarenta quilos, fui passar férias a Porto Santo, na altura ainda uma calmaria. Ficámos hospedados nema messe militar, onde estavam outros oficiais e filhos, alguns conhecidos dos meus pais, pelo que me deixavam sair à noite com o grupo, que ia aí dos 14 aos 20 anos, com os mais velhos responsabilizando-se pelos mais novos. Uma noite, à saída da pequena discoteca lá do sítio, de repente sinto uma mão a agarrar-me um braço. Um tipo, com o dobro da minha idade e peso, claramente embriagado, achou que queria "conhecer-me" e exigia a minha atenção, recusando-se a largar-me e deixar-me ir. Os meus amigos mais velhos tentam intervir, pedindo-lhe que me largasse e deixasse ir com eles, o que resultou numa cena de porrada, com outros amigos do energúmeno a juntar-se, e acabando connosco a ter fugir a correr para a messe para não apanharmos. Lá chegados, levei o maior raspanete da minha vida, que tinha ficado para trás e não sei o quê, e que no fundo a culpa era minha. Pois, devia ser por estar de minissaia.

Quando tinha 33 anos vivia sozinha num bairro tranquilo de Leiden. Uma noite, uma semana antes de deixar a minha casa, os meus vizinhos de cima estavam a dar uma festa, como sempre, e a certa altura fui ao meu terraço pedir ao pessoal que estava no terraço deles para não mandar copos e cigarros lá para baixo. Os tipos mandaram umas bocas e tal, eu voltei para dentro e fui dormir. Às quatro da manhã batem-me à porta. Acordo estremunhada, e meia desorientada, abri. Afinal vivia num bairro tranquilo, onde nada se passava, e nunca tinha tido razões para ter medo, poderia ser um vizinho a precisar de alguma coisa, sei lá, nem sequer pensei. Do outro lado um tipo podre de bêbedo dizia que queria entrar, que me tinha visto lá de cima e queria ir dormir comigo, isto enquanto eu tentava mandá-lo embora diplomaticamente, toda a tremer, tentando fechar a porta que ele forçava aberta por ter mais força que eu. Acabei por gritar "get out now" e com a adrenalina tive força para fechar a porta. Logo a seguir oiço o grupo a rir: afinal tinha sido uma piada, é super engraçado aterrorizar uma mulher que vive sozinha a meio da noite só porque se pode. Tremia dos pés à cabeça, tranquei todas as fechaduras da porta pela primeira vez na vida, e também pela primeira vez chamei a polícia. Contei ao telefone a situação. A resposta? "Ah, mas ele ainda está aí? Ai não, então se ele voltar ligue de novo". Não voltei a dormir nessa noite, consciente da minha vulnerabilidade, e como tão facilmente poderia ter sido ali atacada. A culpa? Minha, claro, que abri a porta. E por ser uma mulher a viver sozinha, que isto nunca aconteceria se fosse homem ou se vivesse com um. 

Quase vinte anos passaram entre os dois episódios, mas o sentimento manteve-se: medo. E medo por ser mulher.

40 comentários:

  1. Ah, luna, pelo amor da santa. Então não vês que isso significa que és bonita e jeitosa, mesmo quando ainda eras uma criança? Hum? vens cá dizer que não gostaste? Só mostra que agradas e não há mulher NENHUMA que não goste de agradar, não sejas mentirosa/pretensiosa/histérica/púdica/frígida/insegura. Além disso há a possibilidade de, coitadinhos, sofrerem de Stress pós traumático ou terem acabado de chegar da guerra e estarem só a responder aos seus impulsos biológicos. E ao alcool. A culpa não é deles, coitadinhos, eles não se controlaram, pobrezinhos, eles não têm capacidade de pensar ou fazer escolhas, a culpa é do instinto. Além disso ninguém te manda andar na rua com 14 anos (devias estar a dormir ou a ler os cinco) e é óbvio que tu é que te foste meter com o pessoal que estava na festa. Esperavas o quê??? Já se sabe que é uma injustiça, ninguém diz o contrário, mas ninguém te manda teres a mania que tens o direito a dormir ou abrir a porta da tua casa. Depois óbvio que te acontecem estas coisas, e ainda tens a lata de te queixar!!

    Já agora, só acrescentar que eu julgava existirem mulheres soldados. E a função delas não era cozinhar para os meninos quando eles chegam de dar o peito às balas ao fim do dia, coitadinhos. Mas se calhar sonhei ou isso.

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    1. Se tem mais de 14 anos e isso do instinto biológico é a sua interpretação dos meus comentários a um dos posts anteriores tenho muita pena de si. (Já agora só acrescentar que eu julgava existirem homens vitimas de violência sexual por parte de mulheres, mas se calhar sonhei com isso ou se calhar a proporção é tão díspar que uma pessoa tende a relevar.)

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    2. Não, não veio de comentários anteriores. Veio, como a grande maioria dos outros, da junção de todos os argumentos que me lembrei ter ouvido até hoje para defender quem pratica violência sexual e acusar a vítima (o do instinto é um dos mais frequentes, mas acho que ainda não o vi nesta discussão) .

      Sim, há homens que também são sexualmente violentados, embora sejam muito menos. Da mesma maneira que são muitos mais os homens que as mulheres soldados. Mas isso altera exactamente o quê nesta discussão? Nada. Não é por também haver homens violentados nem por eles sofrerem mais de outro tipo de problemas que o da violência sexual conta mulher (incluindo piropos) se torna menos pertinente, como acredito que a NM concordará. Esse tipo de observações só serve para desconversar.

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    3. Diz-me então que o seu comentário nada teve a ver com os meus anteriores... Parece-me pouco provável, mas se assim foi de facto a minha resposta perde sentido. Lamento por isso. (Para as restantes inquietações é ir lá espreitar a minha casa que já lhe respondi.)

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  2. Não conheço uma mulher a quem algo não tenha acontecido. Comigo começou com uns roçares e mãozinhas no autocarro (11/12 anos). O mais problemático foi 1 velho que me começou a seguir e pôr-se atrás de mim na paragem, de mão no bolso, a fazer coisas enquanto murmurava outras coisas. Eu demorei dias para perceber o que se passava, era muito inocente aos 13 anos, mas ao fim de umas semanas de silêncio por medo, ganhei coragem, fiz uma cena em publico e ele nunca mais apareceu. Depois vieram uns tempos mais calmos, em que o máximo que aconteceu foi 1 grupo de rapazes mais velhos me seguirem rua abaixo quando regressava a casa de noite depois de um jantar de turma gozando comigo, que era "super gira" e que não podiam resistir. Eu percebi que não me iam fazer nada mas não deixou de humilhar e assustar (18 anos). A partir daí existiram uns problemazinhos em discotecas mas nada de grave porque sempre tomei certos cuidados instilados pela minha mãe: nunca largar o copo da mão e quando o largava não voltava a beber por ele, nunca ir ao wc sozinha (não há grande mistério amigos homens é mesmo por motivos de segurança), sai sempre em grupo e ficar dentro do grupo, etc. Mais recentemente (30 anos) comecei a perceber que 1 vizinho, com idade para ser meu pai, andava a vigiar as minhas rotinas, e um dia fez-me uma espera e queria por força que u fosse (sozinha) a casa dele e não me largava do braço. Não fui e um dia, sozinha em casa, ele bateu à porta e eu abri (vizinho, de manhã. dia de sol...). Estava bêbado e queria "casar" comigo... Lá o despachei e deixei de abrir-lhe a porta sozinha em casa. O mais assustador foi um taxista, que me levou para um matagal onde começou a abrandar até 20/h enquanto me olhava fixamente pelo retrovisor. Só não aconteceu nada de mal porque eu liguei a alguém e lhe disse onde estava e a matricula do táxi (que anoto sempre) em voz alta. Aí ele arrancou e deixou-me no destino. O ultimo foi 1 que se punha na paragem ao meu lado querendo por força "conhecer-me" e que não ouviu os meus "nãos" educados, nem claros, nem exasperados, até ter sido humilhado em público por uma vizinha da terra dele, ainda mais chateada com a situação que eu... Houve outros, mas nem vale a pena descrevê-los... Infelizmente acontece a todas as mulheres, e desde cedo.

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  3. Luna, obviamente que lamento as situações que descreves que são injustificáveis e que foram perpetradas por seres mais fraca, por um lado, e por serem culturamente aceites, por outro. Como deves calcular passei por situações semelhantes que jamais esquecerei. Em nenhum momento quis desculpabilizar estes actos, mas bom... Às vezes fica-me muito difícil escrever o óbvio... Tenho por (mau) hábito saltar o básico... O que vale é que aparece sempre algum iluminado a chamar-me à razão...

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  4. Não tenho tempo para um testemunho tão poderoso como o vosso, mas partilho só para frisar o "todas as mulheres": quando tinha oito ou nove anos, o marido de uma amiga da minha avó começou a dar-me muitos presentes e um dia beijou-me. Contei à minha avó para nunca mais ter de lá ir sozinha levar recados, e não tive de ir mais. Fui tonta, não contei a mais ninguém. Aos doze comecei a ouvir as primeiras bocas explicitamente sexuais na rua, do "boquinha de broche" ao tamanho das minhas mamas. As bocas continuaram a perseguir-me sempre, até sair de Portugal. Teria talvez 13 ou 14 quando um homem me seguiu no caminho do metro para o trabalho da minha mãe - entrei em lojas, saí de lojas, entrei num banco, saí por uma porta diferente, andava sempre atrás de mim. Uns anos depois convenci-me, para sempre, que estava no direito de ir para casa sozinha sempre que me apetecesse e que não deixaria o medo tolher a minha vida. Ainda assim, todas as precauções dos meus pais quando saía à noite giravam à volta da mesma temática - prevenir a violência sexual. Já teria 17 ou 18 quando me aconteceu outra vez, um homem seguiu-me para casa e apalpou-me o rabo. Gritei-lhe e fugiu. A vez seguinte foi já aos 29 ou 30 - refugiei-me junto de dois russos bêbados que encontrei na rua e que me deram uma protecção simbólica, embora não dissessem coisa com coisa.

    E, claro, devo estar a esquecer-me de alguns episódios, graças a Deus, de assédio mais suave ou de rapazes "muito insistentes". Mas não me esqueço nem do medo que tive nem das forças que tive de mobilizar para fingir uma coragem que não tinha.

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  5. Também tenho histórias para contar. Nenhuma tão aterrorizadora como a da Luna, que ser atacada na sua própria casa é coisa de filme de terror, ou como da Serenity, chiça, gabo-lhe o sangue frio, eu nunca me lembrei de tomar nota das matrículas dos táxis onde entrei. Mas parecidas com as da Rita, que nem eu tinha idade para pensar em namoros já ouvia poucas e boas, de indivíduos até com idade para serem meus pais, e eu não percebia que raios era aquilo, se o meu pai era uma pessoa decente e nunca o tinha visto a olhar para rabos e mamas de outras mulheres, quanto mais. E é um terror constante, nascer e crescer mulher, estar alerta 24 horas por dia, sempre atenta a quem nos rodeia, aquele que se chega no autocarro - será que me vai apalpar? - aquele que nos olha fixamente - será que? - aquele que caminha a cinco passos de nós, e achamos que vai para casa como nós, e afinal nos salta em cima e agarra à porta do nosso prédio, e nós - eu - nem consigo perceber o que me diz, porque estou a gritar mais que alguma vez gritei, a debater-me como nunca me debati, a tentar equilibrar enquanto caio pelas escadas abaixo porque ele finalmente me larga e foge, não sem antes me puxar, e fico finalmente caída, as costas magoadas porque bateram em cheio na aresta no degrau do prédio, lavada em lágrimas, perdida, desnorteada, e finalmente levanto-me, corro para a porta do prédio, e chego a casa naquele estado, a cara dos meus pais, aterrorizados por se ter passado à porta de casa, o meu irmão com uma cara que bem lhe conheço, a perguntar-me se eu o reconheci, capaz de sair porta fora e dar a tareia de uma vida. Tinha vinte e poucos, regressava da faculdade, felizmente foi a última vez que me vi numa situação semelhante. Mas nunca esquecerei. Não quero que a minha sobrinha ou outras mulheres passem pelo mesmo, nunca.

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  6. Nunca tive problemas em andar na rua à noite na zona onde vivo por também a achar calma. Até um dia, quando estava a voltar para casa por volta das 21h, ver um gajo a seguir atrás de mim a masturbar-se. Felizmente estava perto de casa, entrei no prédio e vi-o a ir-se embora e a olhar para a minha porta. Durante muito tempo tive receio que voltasse. Nunca mais voltei a caminhar de noite sozinha e tranquila, onde quer que fosse.

    É verdade que não sinto medo frequentemente, mas também é verdade que raramente estou sozinha: não vivo sozinha, raramente ando sozinha na rua de noite e simplesmente não ando de transportes a partir de uma certa hora.

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  7. Nunca me aconteceu nenhuma cena do género, mas a verdade é que quando vou sozinha, e passo por grupos de homens sozinhos, surge sempre o medo!

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  8. O teu blog vai ser sempre um dos meus espaços favoritos precisamente por falares das coisas certas, da forma certa. Isto é tão relevante, tão importante e os teus post são sempre tão brilhantes.

    Comigo nunca aconteceu nada particularmente assustador, felizmente. Uns piropos e comentários ordinários e a coisa fica sempre por aqui, se isto já me incomoda até à medula, não quero sequer imaginar o que é passar por uma situação em que as coisas escalam até a um ponto mais grave. Ainda há uns meses um homem decrépito me fez um comentário ordinário num dia mau e eu, de tão irritada que estava, respondi com um pontapé que o deixou abanando e uma série de gritos. As pessoas na rua olharam para mim de lado, porque "onde é que já se viu uma menina distribuir gritos e pontapés? Que Vergonha, a mãe não lhe deve ter dado educação." Não estava de mini-saia.

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  9. Luna, quando eu tinha vinte anos, estavam uns tipos a virar caixotes de lixo na rua e eu fui lá dizer-lhes, tranquilamente, em paz, que aquilo não era uma boa ideia. Os tipo não gostaram do meu argumentário e, felizmente, eu tinha bebido menos que eles e corria mais.

    Mais tarde, andava eu de mota, e um carro encostou-se demasiado a mim num semáforo e eu quase caí. Levantei o capacete e gritei "Foda-se que merda é essa?". Saiu um tipo do carro e eu corrigi para "Cuidado com essa merda, então?". Um segundo tipo saiu do carro e eu achei melhor emendar para "Pá, então?". Quando saiu o terceiro tipo eu disse "Pessoal, quase me atiraram ao chão...". E eles entraram dentro do carro, a rir.

    Moral da história: os tipos eram mais fortes.

    Segunda derivada da moral da história: Mesmo para os homens, o mundo é um local perigoso. e injusto.

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    1. Caro Pipoco, creio que todos nós teremos histórias relativamente a situações de violência, com mais ou menos gravidade, mas se o Pipoco não percebe a diferença na sua génese, então não haverá muito mais a conversar, cala-se o assunto com um #whatabouttehmenz?

      As situações que decidi descrever, e que se passaram com um intervalo de duas décadas, foram a primeira e a última mais marcantes, e ao contrário das histórias que conta, que também me poderiam também ter acontecido a mim, o contrário não. Sem contar que, certamente, em nenhum momento dessas interacções, o Pipoco teve medo de ser atacado sexualmente.
      As situações que eu descrevo não derivam do mundo ser injusto e da lei do mais forte, eu poderia ser exactamente do mesmo tamanho e peso que elas nunca me teriam acontecido se eu tivesse uma pila. End of story.

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    2. Pasme-se, porque é verdade: também já passei por situações em que me senti ameaçada ou em perigo e que não tiveram nada que ver com o facto de ser mulher. Sei distinguir, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Por acaso, em termos de escala, as situações em que senti mais medo e as potencialmente mais perigosas foram as que me aconteceram por ter nascido com uma vagina.

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    3. Luna, devo considerar o seu "end of story" literalmente, ou está disponível para discutir pontos de vista comigo?

      (a minha ideia era construir hipóteses de soluções, construídas naquilo em que estamos de acordo e deixar de lado aquilo que, assertivos que somos, não concordaremos nunca)

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    4. Pipoco, end of story no sentido de que não são situações comparáveis em nenhum termo. A solução passa também e principalmente por, os homens que estão do lado dos bons - como o Pipoco se proclama - admitirem que existe um problema que afecta maioritariamente as mulheres, e combatê-lo, em vez de desvalorizá-lo com "what about teh menz?" ou "not all men". Sabemos que nem todos os homens são assim, mas ainda assim os que são são demasiados, e reconhecê-lo é o primeiro passo para uma soluçao.

      (agora vou ter mesmo que saír, já cá volto mais tarde)

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    5. O meu Pai, desde os oitos anos educado num colégio interno exclusivamente masculino, também argumentava como o Pipoco, enquanto era Pai de dois rapazes apenas. Mas depois nasceu-lhe uma menina.
      Há gente a fazer mal a homens, mulheres, crianças, animais. Mas com o que uma mulher tem para "oferecer" e com aquilo que o homem quer, tornamo-nos um alvo mais comum.
      Todas as mulheres têm histórias para contar. E um homem quando vem para cima da nós quer-nos bater, quer-nos penetrar, obtém prazer enquanto nos vê lutar, sangrar e implorar por que pare. Um homem desses está a violentar fisicamente (reversível na maior parte dos casos) e emocionalmente (irreversível na maior parte dos casos). Uma mulher faz sexo por escolha, por partilha, por rendição, por prazer. Dali nasceram ou nascerão os filhos dela. Desculpe lá, Pipoco, mas é sagrado. Não é comparável. Ambos os casos (violência contra homens e violação de mulheres) são graves mas, ainda assim, incomparáveis.

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    6. Sendo mulher, obviamente que discordo da opinião do Pipoco de que "também os homens vivem situações de perigo, e então?". Não é comparável.
      Infelizmente, penso que a opinião do Pipoco, e da grande maioria dos homens, por mais empatia que sintam connosco, é essa porque só pode ser. Não tem como não ser. Porquê? Porque eles, sendo homens, nunca vão saber o que é estar na pele de uma mulher a sentir-se ameaçada sexualmente. Quem não sente, não compreende como é diferente, tão diferente, um insulto/ameaça "normal" de uma ameaça sexual. E portanto, o Pipoco quase que nem tem culpa de pensar assim. Se nunca sentiu, como pode compreender a diferença?

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    7. Eu acho que hoje já não consigo mais discutir isto, mas queria só partilhar isto: aquando das últimas discussões que houve, vi não só muitos homens naturalmente do "nosso" lado da barricada, concordando com a necessidade e pertinência da discussão como, mais especificamente, tive dois amigos que me contaram que mudaram de opinião depois de terem consciência do quanto era incómodo, degradante, do quanto uma mulher se sentia limitada na sua esfera de acção, conspurcada e ameaçada. Um deles até escreveu um texto fabuloso que circulou no Facebook, tenho de ver se o encontro e to mando.

      E honestamente achei isto um fenómeno natural - a maior parte dos homens que conheço, e o Pipoco certamente também, abstém-se de grosserias (já nem falo de comportamentos violentos) e portanto não se sente necessariamente atacado quando se fala de violência de género. E, por isso quando tentamos, numa conversa calma que reconheço que às vezes nos falha, explicar como é que agressões verbais e a ameaça da violência nos limitam e incomodam, pelo menos os mais empáticos e sensíveis de entre eles vão aceitar a nossa perspectiva do problema e a relevância do mesmo, sem terem necessidade de passar pela mesma experiência.

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  10. Tenho a sorte de nunca ter tido desses problemas. Agora deixaste-me a pensar: serei assim tão medonha? Se é, ainda bem que o sou!

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  11. E aqui venho eu acrescentar a parte mais banal da história, já que o meu repúdio por esse tipo de assédio está garantido. Por momentos pensei ter participado na primeira parte da história, já que devemos ter mais ao menos a mesma idade e fui passar férias a Porto Santo por duas vezes, para a mesma messe, praticamente na mesma altura. Simplesmente, no meu grupo da altura não houve porrada. Bons tempos; estou velho.

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    1. Não me lembro de haver um Pedro no grupo, talvez fôssemos em quinzenas diferentes (nós costumávamos ir na segunda de Agosto). Continuámos a ir até 2000, embora já ficássemos em casas alugadas, mas íamos na mesma jantar lá à messe. Era bem fixe. :)

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  12. Esta parte de se confundir violência/humilhação sexual, com umas chapadas (ou um roubo) é para os apanhados ?

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  13. Tinha eu 16 e estava a caminho da minha aula de inglês em pleno centro da Invicta quando um gajo com tremendo mau aspecto e com idade para ser meu pai me apalpa o rabo em plena rua... lembro-me de ficar mortificada, de não dizer uma palavra sobre o assunto a ninguém sem ser ao meu (então) melhor amigo. O caso aconteceu perto da rua dele e ele mais tarde contou-me que aquele homem já era um "habitué" da zona, o que só me faz pensar como é que ninguém (mais velho e menos amedrontado do que eu) fez queixa...

    Uns aninhos mais tarde, tinha eu 19 anos, outra vez em pleno centro da Invicta, estava a caminhar para a paragem do autocarro, alheada nos meus pensamentos em modo "zone-out", quando começo a ouvir uma espécie de sussurrar. Olhei em volta e não vi nada de estranho no meio de tantos transeuntes, por isso continuei a andar. Passado alguns segundos voltei a ouvir a mesma coisa. Desta feita, ao virar-me, vejo um rebarbardo (este já com idade para ser meu avô) com a mão dentro das calças a olhar para mim e a murmurar coisas que gostaria de fazer a certos sítios meus... Misturei-me o mais depressa que pude com as pessoas que aguardavam na paragem, ele manteve-se à distância mas não deixou de olhar para mim e de me controlar. Ninguém naquela paragem notou, e se notaram ninguém fez nada... eu estava aterrorizada. Isto sem contar com o gajo que achou muita piada esfregar a dita cuja contra mim num autocarro em hora de ponta... como estava à pinha toda a gente acha que não é por mal, que apenas estamos todos sardinhas em lata. No estrangeiro também aconteceram cenas destas, como quando saímos uma vez à noite e um grupo de rapazes não largava algumas das minhas amigas, mesmo nós estando acompanhadas por amigos do sexo masculino, ao ponto de uma das minhas amigas quase os ter de ameaçar de porrada...

    (Luna, já comentei algumas vezes com outros nomes [fui eu quem uma vez disse que o massapão era uma instituição] mas vamos ver se este nome fica para a posteridade :) )

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  14. Uma vez, vinha do colégio de autocarro para casa, com uma farda que devia ser super apetecível para rebarbados, e vem um tipo encostar-se a mim.
    Não havia lugares sentados, mas o autocarro não estava assim tão cheio que justificasse aquele encostar todo, quase colado, a aproveitar as curvas e solavancos para todo o tipo de roçadelas, e cheio de espaço vazio à volta.
    Com os meus treze ou catorze anos, fui o caminho todo sem respirar, incomodadíssima, a morder o lábio... Até que foi demais. Ganhei coragem e gritei-lhe um "Importa-se de chegar para lá e não estar todo colado a mim?" alto e a bom som.
    Ficou toda a gente no autocarro a olhar com ar acusador para ele, que envergonhado, meteu o rabo entre as pernas e saiu na paragem seguinte.

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  15. É incomparável. No 8º ano estive para levar porrada de uma rapariga muito mais velha (sem motivo), andava cheia de medo, nem a podia ver (e às amigas, todas o triplo do meu tamanho), mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Estes dias, no trânsito, um tolinho não parou à entrada de uma rotunda, quase que batia no meu carro. Por fim, mais à frente ultrapassou-me e fez uma travagem brusca, para me obrigar a parar. Apeteceu-me atropelá-lo :) mas contive-me. Travei as portas e ele ficou aí uns 5 minutos a discutir do lado de fora, com a cara colada ao vidro. Mantive a calma, só lhe dizia: vai lá ver, é uma rotunda. Entretanto a namorada (ou amiga, ou irmã...) veio buscá-lo e pediu desculpa. Ele faria o que fez, se fosse um homem? Ou dois, ou ainda três? (e aí entra a questão do Pipoco e as diferentes respostas conforme o nº de marmanjos com os quais te deparas). Mas uma mulher tem muito mais a perder e estatisticamente mais suscepível de ser violada (desconheço quantos homens são violados, por ano). É tudo uma questão de poder sobre o outro e o nosso medo perante a situação depende das possíveis consequências, por isso, no geral, sim, as mulheres tem mais medo do que os homens e sofrem mais do que eles.

    Não, os homens não são todos iguais, mas penso que o mais importante é que se procurem soluções para um problema gravíssimo da nossa sociedade, que se fale sobre isso, que se mudem mentalidades, que se puna como deve ser (a começar pelos pequenos delitos), que se critique quem manda bocas, não desculpabilizando só por que se está habituada (o) a isso. Não ajuda nada esses homens que são diferentes dos tais mais agressivos desconversarem (é a minha opinião). Querem falar sobre a violência exercida sobre eles? Força. Mas não como resposta à exercida sobre as mulheres. Comecem o assunto do nada, debatam, procurem soluções. Não é só com este assunto, é um problema geral de muita gente: quem ajuda animais leva sempre com um espertinho que vem falar sobre as crianças, ou idosos ou a crise ou whatever. Os que nada fazem por causa nenhuma são os que mais dedos apontam aos outros, que se dedicam a uma ou mais causas específicas. No meu caso, muitas vezes ouvi esta frase, quando descobriram que sou vegetarinana: E as plantas? Really? Até então nunca se viu nem ouviu aquela pessoa toda ofendida fazer campanha pelo sofrimento do Reino Plantae!

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    1. Essa das plantas mata-me! Também sou vegetariana ( e só aturo barbaridades). Enquanto mulher assino por baixo de tudo o que já foi dito. Temos direito a sair de casa descansadas e regressar seja a que horas for.

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  16. Não querendo dar razão ao pipoco, que não tem, porque a agressão sexual é muito mais violenta do que uma simples agressão não sexual, que é o que ele tem comparado, venho expor outro lado da questão: a agressão sexual contra rapazes também existe, muitas vezes os agressores sabendo que se agredirem uma menina, mais facilmente são "apanhados", viram-se para os rapazinhos mais fracos. Eu conheço um caso assim, em que ninguém queria acreditar no miúdo precisamente por ele ser rapaz. Infelizmente, também não devem faltar casos destes, porque é mais vergonhoso para um rapaz admitir que foi "violado" pelos seus pares, ou porque ninguém acredita neles...

    e não estou a tentar diminuir a gravidade da violência contra as mulheres, estou mesmo só a dar o outro lado da moeda, que é sempre esquecido.

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  17. AnaC, por acaso já esperava que alguém levantasse a questão da violência sexual contra homens, e uma vez mais, essa violência é maioritariamente perpretada por outros homens.. E ao falarmos de violência sexual, e do que se pode fazer para a combater, enquanto problema social, esse debate só poderá ser também benéfico para o sexo masculino.

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  18. Eu pedi.

    Pedi quando daquela vez que com os meus 12 anos fui encurralada na escola (!) à noite depois de uma visita para observação da lua. Fui encurralada à entrada, enquanto esperava pelos meus pais, por um grupo de rapazes bem mais velhos que eu, provavelmente já com 17/18 anos, que me cercaram e bloquearam qualquer fuga. Passou imensa gente por nós, incluindo funcionários. Eu, miúda, cheia de medo não consegui dizer uma palavra sequer mas ninguém achou estranho. Quando escalou e começaram a aproximar-se mais veio um colega ter comigo e pediu para que desaparecessem. Morria de medo sempre que ia para a escola depois disso, sempre à espera que me reconhecessem. Não trazia nenhuma saia vestida mas calças de ganga e uma gabardina roxa. Nunca mais a usei.

    Também as pedi quando um colega (tinha eu uns 13/14 anos) se aproveitava das aulas em que fazíamos trabalhos em grupos para passar as mãos pelas minhas pernas e para me apalpar sempre que passava por ele. Este último gerava gargalhadas. Afinal é divertido e eu estava a pedi-las....

    Conheces? http://hypnoticowl.com/theday/play/ é bastante forte

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  19. Há cerca de 3 anos estava de saia (saia pelo joelho), a caminho de casa, à hora de almoço. Senti, de repente, um homem a dar uma corrida atrás de mim, a erguer-me a saia. Estava de collants pela coxa e o cabrão ainda me disse, enquanto se pirava para ir embora "isso é bonito, isso é bonito!". Lembro-me de ter dado um gritinho e de ter ficado a tremer. Nem entendi bem o que se passou. Era um homem novo, na casa dos trinta anos, bem parecido. Ergueu-me a saia, viu-me as pernas, e pôs-se no caraças.

    No comboio, há cerca de 5 anos, estava a pescar fanecas - a dormitar. Como estava a dormir, aquilo parecia tudo irrealista. Tinha alguém a passar-me a mão nas coxas (estava de calções pelo joelho). Acordei sem perceber se tinha sonhado ou se era real. Quando saio do comboio e um rapaz (parecia-me ter atraso mental ligeiro) me dá a mão para me ajudar a sair do comboio e me pergunta "vamos?", percebi que não tinha sonhado. Comprou o bilhete, entrou no metro atrás de mim, seguiu-me até casa. Cerca de meia-hora. Quando estava a chegar ao meu prédio, tive de bater pé (ele até tremeu) e dizer que o meu namorado estava a chegar. Pôs-se na alheta.

    Sim, acredito que as mulheres sofram mais com este tipo de situações. Mas, como o Pipoco referiu, os homens também sofrem muito - porque há sempre os idiotas que acham que é "de homem" desafiar para uma luta, para um murro, para uma troca de palavras. O mundo é uma merda para todos.

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  20. Quando a cara metade diz "olha, não gostei disso que acabaste de dizer, chateou-me, e não concordo e tal..." a melhor maneira de acabar com a conversa é dizer " e eu não gostei daquilo que disseste na semana passada" e que é um assunto totalmente diferente. Querem falar do que os homens sofrem? Façam um post sobre o assunto. Não aproveitem o post que fala do que as mulheres sofrem. Senão, nunca chegamos a lado nenhum. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

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    1. Está tudo relacionado.

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    2. Caro Ernesto, violência é violência.
      E quem a sofre é vitima.

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  21. S, não, não está. É desconversar. Se se está a falar de um assunto tão comum, que é o facto de as mulheres serem agredidas (seja lá como for, nem que seja um simples olhar) tantas vezes, não tem jeito nenhum vir dizer "ah, mas os homens também". Ou seja, se há um post a dizer "ser mulher é chato porque..." não tem jeito vir um post dizer "ah e então ser homem? Isso é que é!". Num ex.totalmente diferente, se alguém se queixa porque partiu a perna, não vejo a lógica de vir alguém dizer "então e eu que parti o lóbulo da orelha?". Nas discussões de casais acontece muito (digo eu...), ela diz "hoje nem me deste um beijo e estou triste com isso" e ele diz "há dois anos nem me abraçaste quando eu cheguei a casa". Ou seja, em vez de se falar do assunto presente e em questão vão-se buscar coisas que não têm nada a ver. E que é o caso no "notallmen". Claro que "not all". O problema são os que não fazem parte dos "not all". Isto é assim: um homem tem uma irmã, uma mulher, amigas... mas quando tem uma filha, caraças, rasga-se um véu!

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    1. Ernesto, é apenas mostrar que as mulheres não são as únicas vítimas do mundo - que não são.

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    2. Pois não, e também há fome no mundo.

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    3. O Ernesto deve ser dos poucos homens a perceber o "centro" da questão. Lá está... ter filhas muda as prespectivas.

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  22. Olá Luna! Bons olhos (os meus) te revejam. E bastaram duas páginas de publicações para perceber que realmente pensamos de igual forma: ou o mundo está todo do avesso, ou estamos a regredir, ou simplesmentos, nós é que estamos erradas e os analfabrutos é que sempre estiveram certos.
    Resumo... ser mulher, mesmo num país "ocidental", "instruído", "culturalmente democrático", é igual a ser-se ... nada. A fêmea existe para procriação e como tal, pode estar vestida ou despida, maquilhada ou sem um único resíduo na face, que o que ela quer no final das contas é sexo. Ou ser fodida - pardon my french (que eu também ser usar vernáculos). De uma forma ou de outra, se tu passas na rua e és assediada, seja de que forma for, deves aceitá-lo de preferência com um sorriso. Estranhamente também aprendi que reagindo desta forma a probabilidade de NÃO sermos vítimas de uma agressão é muitíssimo superior, uma vez que se de uma forma ou de outra, não passamos de umas oferecidas, não há coisa pior do que a oferecida ofendida (a tal que quer, mas depois arma-se em cara). Então, wave and smile, wave and smile.
    Pior que isto foi, mais uma vez constatar, que no Brasil nunca, por mais locais onde esteja, me senti perturbada ou incomodada por isso, enquanto que logo na primeira noite em Lisboa, após ter regressado dos trópicos, senti um desconforto brutal e honestamente passo o tempo a olhar over my shoulder just in case. Vá-se entender...

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